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Apertem os cintos, o presidente sumiu

Publicado: 07 Março, 2005 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

Na busca de uma estrutura mais globalizada, algumas multinacionais estão reformulando suas estruturas de comando pelo mundo. Mudanças que começam a chegar ao Brasil. Na nova organização, somem os presidentes locais e, em seu lugar, vice-presidentes ou diretores assumem o comando de unidades de negócios reportando-se diretamente aos responsáveis por suas áreas nas matrizes. No Brasil, as subsidiárias da Cummins, fabricante de motores pesados e da Dana, produtora de autopeças, acabam de adotar esse modelo. Nas duas empresas, o cargo de presidente foi extinto.
O que muda em uma companhia onde clientes, fornecedores e funcionários estão acostumados a lidar com o presidente, nos casos brasileiros, ainda é cedo para dizer. O ex-presidente da Cummins, Ricardo Chuahy, que nos últimos sete anos e meio comandou a operação brasileira e latino-americana, só deixará a empresa de fato no fim do mês. Na Dana, o ex-presidente Hugo Ferreira, que ficou no comando por 42 anos anos, deixou o cargo para aposentar-se apenas no fim de 2004.

Tanto na Cummins como na Dana, a reorganização começou a ser planejada com bastante antecedência. "Começamos a preparar a empresa desde o início do ano passado, o que ameniza os riscos inerentes de uma descoordenação", explica Luiz Pasquotto, diretor responsável pela área de marketing e vendas da Cummins. A companhia está presente em 140 países, com 40 fábricas espalhadas pelo mundo. Na nova estrutura, a América Latina deixou de ser uma região. Atualmente, a companhia está dividida por unidades de negócios e não mais por localização geográfica.

No Brasil, os sete diretores responsáveis pelas áreas de finanças, vendas e marketing, logística, energia, distribuição, recursos humanos e controladoria passaram a corresponder-se diretamente com os VPs de suas respectivas áreas na matriz. Algumas decisões serão tomadas diretamente pelos VPs, dos Estados Unidos . "Em alguns casos, as decisões passarão por um conselho de diretores local antes de seguir para eles", diz Pasquotto. "Mas os VPs de lá terão a palavra final, que antes era do presidente".

O ex-presidente da Cummins, Ricardo Chuahy, que depois de deixar o cargo recebeu três ofertas da companhia para atuar em outros países mas preferiu deixar a empresa após 28 anos, acredita que o novo esquema deve ajudar a aproximar mais os executivos americanos da realidade local. "Isto pode facilitar decisões sobre investimentos e a vinda de novos produtos", diz. Entretanto, na sua opinião, mesmo com os diretores tendo independência para resolver diretamente questões de suas áreas com a matriz, fica faltando uma figura mais graduada no país.

No caso da Dana, essa graduação também foi diluída. Agora, quatro vice-presidentes das áreas financeira, de compras, manufatura e desenvolvimento de novos negócios dividem a responsabilidade que por 42 anos esteve concentrada nas mãos do ex-presidente Hugo Ferreira. "Não existe mais ninguém no mesmo nível dele", explica Luciano Pires, diretor de comunicação corporativa. "Não existe a figura de um juíz local". A Dana emprega 46.000 pessoas em 28 países. As mudanças estruturais estão ocorrendo em todo o mundo. "Tudo faz parte de um processo de internacionalização", diz o diretor.

Um dos objetivos das multinacionais ao consolidar essas ações internacionais é poder centralizar suas decisões de compra. "É possível obter preços melhores comparando um volume maior", explica Pires.

Estando mais próximos das decisões dos VPs na matriz, em tese, ficará mais fácil também para os dirigentes no Brasil abrir caminho para que fornecedores locais cheguem a novos mercados. Produtos poderiam ainda ser produzidos parte no Brasil, parte na Argentina e remetidos para os Estados Unidos para serem montados e distribuídos para clientes da Europa. "Este é o sentido de se buscar operações globais", diz Pires.

Mas, se teoricamente o esquema funciona em perfeita harmonia, na prática a história pode ser diferente. Parte dessa agilidade almejada pelas múltis pode se perder em uma infinidade de reuniões.

"Essas são estruturas complexas de relacionamento", acredita Vicente Picarelli Filho, sócio responsável pela consultoria de capital humanos da Deloitte para a América Latina. "É preciso estar ciente de que toda mudança terá um reflexo na gestão das pessoas", diz. A implementação é difícil.

"Não ter a figura do presidente, em um primeiro momento, pode causar muita estranheza".

Para Picarelli, modelos mais tradicionais de gestão com presidentes são importante no sentido de se ter uma direção mais clara. Em culturas conservadoras como a latino-americana, onde a liderança é bastante valorizada, a falta de um presidente local pode causar uma sensação de insegurança e gerar muitas dúvidas. "Quando se implementa um novo modelo de gestão como este é preciso levar em conta suas vantagens e desvantagens", diz o consultor. "Deve se levar em conta o conhecimento e a flexibilidade do presidente e da organização".

Em alguns casos, o presidente pode ser um grande articulador, em outros, um grande "dificultador". "Na América Latina, o lobby do dirigente local é muito importante junto ao governo e aos clientes", diz Paolo Pigorini, vice-presidente da Booz Allen Hamilton. "Ele conhece o mercado, sabe fazer as coisas, entende a flexibilidade dos negócios no país". Por outro lado, lembra o consultor, alguns dirigentes regionais tornam-se tão poderosos que acabam sendo um entrave para as decisões da matriz. "Eles transformam-se em 'barões', defendem suas posições, seu mercado e não deixam ninguém mexer em nada", diz. Alguém com tamanho poder pode dificultar, por exemplo, o fechamento de uma fábrica em seu território.

Um outro motivo, além da otimização dos negócios, que tem levado algumas multinacionais a centralizar mais suas decisões são as novas exigências relativas aos processos de governança corporativa. "Com as novas regulamentações nos Estados Unidos, como a lei Sarbanes-Oxley, as múltis estão mais preocupadas em acompanhar de perto as finanças das suas filiais", diz Néstor Azcume, diretor-geral da Watson Wyatt no Brasil. "Acredito que depois de tantos casos recentes como o da Parmalat, da Enron, elas também estão centralizado suas ações por medo".