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Artigo: Competição externa é a solução para a indústria automotiva

Cristiane Alkmin J. Schmidt e Vinicius Carrasco

Publicado: 13 Dezembro, 2017 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

O presidente da Anfavea, Antônio Megale, se expressou no Valor de 4 e 5 de dezembro. Defendeu o Inovar-Auto, política adotada desde 2013 que termina este mês, e o Rota 2030, o novo programa. Políticas públicas precisam ser avaliadas. O que se pode dizer do Inovar-Auto? Não seria a competição externa um estímulo mais eficaz do que adotar mais um programa protecionista, dado que o Estado quer promover o bem-estar social?

Segundo o Banco Mundial, o Inovar-Auto foi um fracasso em alcançar seus objetivos, pois: 1- induziu o sobre-investimento em montagem, causando a proliferação de pequenas fábricas numa escala muito baixa e excesso de capacidade, o que diminuiu a competitividade do setor; e 2- reforçou a estratégia derrotada de reproduzir no Brasil toda a cadeia produtiva, na contramão do que os países mais bem-sucedidos fazem.

O objetivo alegado do Inovar-Auto é focar na competitividade no setor e o instrumento é a concessão de créditos de IPI para montadoras que cumprissem com um certo número de etapas fabris no país (conteúdo local); que atingissem determinados níveis de eficiência energética; que investissem em tecnologia e que gastassem um certo montante com P&D e inovação.

No concernente ao conteúdo local, o resultado foi o fechamento do mercado com continuada perda de bem-estar do consumidor. Deveras, a participação de importados nas vendas domésticas despencou de 24% para 12%, enquanto a tarifa de importação passou de 35% para 65% para os produtores que não tinham fábrica no Brasil. Por isso, o Brasil foi condenado pela OMC. Um desastre para o país.

No quesito eficiência energética, Megale argumenta que o programa triunfou porque essa aumentou 15,46%, economizando R$ 7 bilhões em combustíveis. Essa economia, pois, teria sido maior se houvesse tido importação de veículos europeus, americanos ou de outros países. Não só porque há países que produzem mais eficientemente do que o Brasil, mas porque estes aumentaram sua eficiência mais do que o Brasil. No México, por exemplo, esta aumentou 18,2%. Logo não se pode dizer que a experiência brasileira foi um sucesso. Além disso, a despeito dos ganhos para o meio-ambiente, parte do ganho de eficiência foi incorporada pelos proprietários, que tiveram seus gastos com combustível reduzidos, e pelas montadoras, que tornaram seus produtos mais aceitos.

Com relação ao conteúdo tecnológico, Megale cita a introdução de itens como start-stop e injeção eletrônica direta de combustível. Estranho, todavia, considerar como avanço tecnológico práticas corriqueiras há tempos alhures.

Com respeito ao gasto com P&D, Megale pondera que durante o Inovar-Auto empresas do setor investiram mais em P&D do que empresas de outros setores da indústria. Diante do dinamismo deste segmento no mundo (Exame, "A revolução dos negócios"), entretanto, é possível dizer que o setor teria naturalmente investido mais em P&D do que o resto da manufatura.

Mais ainda. Comparando este setor com o da indústria de transformação, a afirmação de Megale fica ainda mais contestável. Dados da Pintec mostram que em 2011 (antes do Inovar-Auto), o setor automotivo investiu 2,8% de sua Receita Operacional Líquida (ROL) em P&D e o da indústria de transformação, 2,5%. Em 2014, durante o Inovar-Auto, o investimento do setor caiu para 2,1% da ROL e o da indústria, para 2,2%. Ou seja, durante o Inovar-Auto, o dispêndio em P&D diminuiu no setor em maior proporção que a queda na indústria de transformação. O Inovar-Auto gastou cerca de R$ 1,3 bilhão/ano, mas teve o investimento em P&D reduzido. Este valor não é baixo: representa quase a metade do que é gasto com saneamento no Nordeste.

O desempenho dos outros países corrobora a visão pessimista acerca dos resultados do Inovar-Auto. Dados da OCDE sobre depósitos de patentes do setor automotivo por nacionalidade mostram que o número de patentes no mundo ficou constante depois de 2011, enquanto no Brasil caiu 20%. Logo, na melhor das hipóteses, o Inovar-Auto não teve efeito sobre inovação. Na pior, a fez diminuir.

Para além dos objetivos não alcançados pelo Inovar-Auto, Megale menciona dados de arrecadação e emprego do setor como demonstração de vitória do programa. No caso da arrecadação, como esta é composta majoritariamente de impostos indiretos e como essa seria parecida se o Brasil importasse veículos, o argumento não se sustenta. Os empregos, por sua vez, conquanto tenham sido significativos, proteção e subsídio (em especial quando vindos de bancos públicos) não se justificam para gerarem empregos. Até porque a tendência mundial é de redução de empregos por meio de automação e de modelos mais avançados. Desta forma, este argumento tampouco é razoável.

Megale alega que cabe ao Estado gerar competitividade ao setor para depois abri-lo à competição, mas, concomitantemente, defende o Inovar-Auto, um programa protecionista, cujos resultados não promoveram aumento de bem-estar. Se houver nova política automotiva (Rota 2030), que esta seja diferente do Inovar-Auto e que venha acompanhada de um cronograma de abertura à competição externa. Só assim as montadoras terão acesso a insumos mais baratos, com tecnologia de ponta (fomentando a competitividade), e os consumidores, carros melhores e mais baratos.

Resguardar indústrias nascentes pode ser razoável. É inconcebível, pois, seguir protegendo um setor por mais de 60 anos, com politicas onerosas e sem alcançar os benefícios esperados. É hora deste setor andar com as próprias pernas (como fazem outros setores expostos à competição e sem acesso a subsídios) e abrir logo o mercado à competição externa.

* Cristiane Alkmin J. Schmidt é Conselheira do Cade e professora da FGV-Rio. As opiniões expressas não representam as do Cade.

* Vinicius Carrasco, ex-diretor do BNDES, é professor do departamento de economia da PUC-Rio.

(Fonte: Valor Econômico)