MENU

Crescem dúvidas sobre capacidade da Delphi Corp. de sair da concordata

Publicado: 29 Agosto, 2008 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

A gigante americana das autopeças Delphi Corp. enfrenta problemas cada vez maiores, o que aumenta as dúvidas sobre sua capacidade de sobreviver como uma empresa independente.

Ela vem lutando para concretizar um plano que a permita sair da concordata, mas estão crescendo as chances de que a empresa, a maior fabricante de autopeças dos Estados Unidos, seja em vez disso liquidada, com algumas fábricas americanas caindo nas mãos de sua ex-matriz, a General Motors Corp., segundo pessoas envolvidas no processo de reestruturação judicial. Mesmo que isso não aconteça, o ônus financeiro da GM pode aumentar em bilhões de dólares, dizem as mesmas pessoas.

Vários problemas financeiros podem surgir nos próximos meses: o crédito que a Delphi obteve dentro da reestruturação judicial vence no fim do ano e há indícios de que seus atuais credores possam negar a renovação. Seu fundo de pensão precisa de uma substancial injeção de capital, ou que a GM assuma parte do passivo previdenciário. A agência do governo americano que serve de seguradora para fundos de pensão expressou preocupação com a possibilidade cada vez maior de uma liquidação.

Os problemas da Delphi mostram como este tem sido um ano terrível para a indústria automobilística americana. Com a alta da gasolina e o declínio na confiança do consumidor, as montadoras assistiram a uma queda de cerca de 20% nas vendas de carros, para níveis que não se viam desde a recessão do início da década de 90. Uma série de fornecedores pediu concordata, incluindo dois que deram recentemente entrada no pedido pela segunda vez. A crise pôs em risco os empregos e aposentadorias de centenas de milhares de trabalhadores e ex-funcionários.

A Delphi, que tem sede em Troy, no Estado de Michigan, culpa circunstâncias fora do seu controle pelas dificuldades, como o aperto de crédito e o colapso das vendas das picapes da General Motors. Ela afirma que não pretende ser liquidada.

"Não estamos falando isso por aí", diz o porta-voz Lindsey Williams. "Se a nossa intenção fosse essa, não estaríamos trabalhando tão febrilmente quanto estamos. Já passamos por muita coisa para sair da concordata."

Uma liquidação da Delphi, que emprega 159.000 pessoas e teve receita de US$ 22 bilhões no ano passado, custaria caro para muita gente, especialmente a GM. A debilitada montadora teria de decidir se continuaria a administrar fábricas deficitárias da Delphi para manter as peças fluindo até suas linhas de montagem. Até agora, a GM teve problemas para encontrar outros fornecedores que fabriquem as peças a preços parecidos.

Quando a GM desmembrou a Delphi, em 1999, ficou com a obrigação de financiar os planos de saúde e aposentadoria de ex-funcionários que foram transferidos para a fabricante de autopeças. Os problemas desta já custaram à GM cerca de US$ 11 bilhões em despesas de caixa e provisões.

O fundo de pensão da Delphi, que cobre cerca de 85.000 trabalhadores, tinha US$ 14,05 bilhões em obrigações no fim do ano passado, com um déficit atuarial de US$ 3,3 bilhões, segundo informes à comissão de valores mobiliários americana.

Numa carta à GM e à Delphi datada de 15 de agosto, a agência de seguro de pensão do governo americano, a Pension Benefit Guaranty Corp., pressionou a GM a assumir no mês que vem US$ 1,5 bilhão em obrigações do fundo de pensão da Delphi. Se a Delphi fosse liquidada e o fundo de pensão fechado, a agência federal teria de cobrir as obrigações resultantes. A agência afirma que tem um gravame de US$ 8 bilhões na justiça caso o fundo de pensão quebre, com todos os ativos da Delphi no exterior servindo de garantia. No caso de uma venda desses ativos, é provável que a agência fosse exigir parte dos recursos.

Mas uma venda parece hoje apenas um recurso de última instância, visto que as operações internacionais - que não foram incluídas na concordata - são as de melhor desempenho da empresa. De fato, afirma Guido Vildozo, analista de mercados emergentes da consultoria britânica Global Insight, as subsidiárias sul-americanas da Delphi têm sido essenciais para a saúde da matriz americana.

Segundo Vildozo, a Delphi é a segunda maior empresa do ramo na América do Sul, depois da alemã Robert Bosch GmbH, e o atual boom dos mercados argentino e, principalmente, brasileiro permite que as operações dela nesses dois países tenham relativa independência dos EUA. A estimativa do sindidato do setor de autopeças é que a produção brasileira de veículos aumente 18,1% este ano. Vildozo diz que a operação brasileira da Delphi, altamente lucrativa, se diversificou e fornece para outras montadoras, além da GM.

"Em nossa visão, a Delphi tem um plano de negócios apropriado, tem o fluxo de caixa necessário para ser uma empresa viável", disse Charles E.F. Millard, diretor da agência, ao Wall Street Journal. "Mas o tempo está passando e até acabando. Se isso virar liquidação, então nosso gravame de US$ 8 bilhões pode atrapalhar quaisquer outros que os credores tiverem. Estamos tentando chamar a atenção de todo mundo para isso." Ele disse que está ficando tarde demais "para sair da concordata".

Ray Young, diretor financeiro da General Motors, disse no mês passado que a montadora estava conduzindo um "diálogo construtivo" com a Delphi, mas "eles têm de entender que há um limite para o que podemos fazer. Eles vão ter que se ajudar aí nessa situação".

Uma liquidação também pode sair cara para o fundo de hedge Appaloosa Management LP, que era o maior acionista da Delphi, com uma fatia de 9,3%, segundo o último informe divulgado pelo fundo, em abril. A Delphi tinha fechado um acordo com o Appaloosa e vários outros investidores para tirá-la da concordata no ano passado. Mas o acordo foi por água abaixo no início deste ano. O Appaloosa não retornou pedidos de entrevista.

"Não está nada claro se a reorganização como empresa independente é algo plausível diante dos desafios nos mercados financeiros e de carros dos EUA", diz Durc Savini, diretor da divisão de autopeças da Miller Buckfire & Co. LLC, uma firma de reestruturação de empresas que atuou na recuperação judicial das concorrentes Dana Corp. e da Dura Automotive, que saíram da concordata este ano. "Captar dinheiro, seja através de dívida ou ações, está extremamente difícil para as fabricantes de autopeças e só vem piorando."

A Delphi tem US$ 4,3 bilhões em créditos ligados à concordata. A linha vence no fim do ano, de modo que a empresa terá de encontrar um novo financiamento em meio a um mercado de crédito apertado e ao acentuado declínio das vendas nos EUA. Já que os credores desse tipo recebem antes dos outros, financiamentos de concordata são considerados relativamente seguros. Mas o atual crédito da Delphi vem sendo negociado no mercado secundário a 82% do valor de face, um desconto que revela as dúvidas sobre a solvência da empresa.

A Delphi teve prejuízo de US$ 1,14 bilhão, com vendas de US$ 10,48 bilhões, no primeiro semestre deste ano. Um ano antes, haviam sido US$ 1,35 bilhão de prejuízo e US$ 11,68 bilhões de receita.

Fonte: Valor