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Maior central sindical dos EUA cobra posição de Obama contra golpe no Brasil

Em carta, AFL-CIO pede que presidente norte-americano declare publicamente que espera do Senado brasileiro respeito à eleição de 2014 na votação do processo de impeachment.

Publicado: 23 Maio, 2016 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

A maior central sindical dos Estados Unidos, a AFL-CIO, enviou, no último dia 20, carta ao presidente daquele país, Barack Obama, pedindo que ele se posicione em favor da democracia no Brasil e do mandato da presidenta Dilma Rousseff. No documento, o presidente da central, Richard Trumka, alerta para o risco de o Brasil retroceder nas políticas inclusivas e lembra que o afastamento de Dilma está sendo condenado pela comunidade internacional e vários veículos de comunicação no mundo. 

Confira a íntegra do documento:

 
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20 de maio de 2016

Ao Presidente
Casa Branca
1600 Pennsylvania Avenue NW
Washington, DC

Caro Sr. Presidente,

No decorrer dos últimos meses, tenho acompanhado o processo de impeachment no Brasil com crescente preocupação. Antes da votação na Câmara dos Deputados para o abrir o processo de impeachment, a AFL-CIO declarou publicamente sua rejeição a esse esforço de invalidar os resultados das eleições de 2014 e as políticas progressivas e conquistas no sentido de uma democracia inclusiva.

Com a votação nos dias 11 e 12 de maio no Senado para continuar o impeachment, a crise política entrou em um novo estágio que vai muito provavelmente enfraquecer a confiança pública nas instituições democráticas do país por muitos anos e terá um impacto negativo no Brasil e em toda a América do Sul, devido ao seu papel como maior democracia na região e mais destacado ator econômico.

Ainda que respeite a soberania do Brasil, a AFL-CIO deve expressar suas dúvidas sobre esse processo inválido liderado por elites econômicas e políticas para minar eleições e instituições democráticas bem como o progresso real que o Brasil tem feito em anos recentes para enfrentar os consideráveis desafios em relação à exclusão social e desigualdade econômica.

Surpreendentemente, aqueles que lideram esse processo no Congresso são parlamentares que enriqueceram com a arraigada corrupção que assola a política brasileira e que é direcionada contra uma líder que, ironicamente, não é acusada de nenhuma ação de enriquecimento próprio.

A presidenta Dilma Rousseff se tornou mais e mais impopular à medida em que a economia se deteriorou em uma crise e as forças de oposição vêm oportunisticamente instrumentalizando esse descontentamento, direcionando-o contra ela e contra um governo democraticamente eleito.

A agenda daqueles que agora tomaram o poder regressa àquelas políticas já experimentadas e fracassadas no Brasil – reduzindo e privatizando serviços e ativos básicos do governo, como saúde e seguraridade social, tornando a já difícil vida dos mais pobres, dos excluídos e das famílias trabalhadoras ainda mais precária, através de profundas medidas de austeridade. Entre as prioridades já anunciadas estão medidas para legalizar a terceirização de todos os postos de trabalho do setor privado e a redução do salário mínimo, de pagamentos de programas de bem-estar social e benefícios de seguridade social dos trabalhadores mais pobres e dos aposentados.

Com a grande recessão em curso no país, os mais vulneráveis serão obrigados a pagar os custos da crise. Ademais, o primeiro ato do presidente interino foi instalar um gabinete que é inteiramente masculino e branco, negando assim as bem-sucedidas políticas de ações afirmativas colocadas em prática nos últimos 13 anos no Brasil como forma de correção das discriminações, históricas e arraigadas, tanto raciais e quanto de gênero.

O processo de impeachment tem sido claramente criticado como inválido pela comunidade internacional e por muitos dos meios de comunicação tradicionais de fora do Brasil. The New York Times, Guardian e The Economist, para nomear apenas alguns, embora considerem que a presidenta Rousseff  tenha poucas habilidades políticas e cometido erros administrativos, mas entendem que o impeachment não apoia a democracia nem oferece soluções para os problemas enfrentados pelo Brasil.

A Organização dos Estados Americanos (OEA) examinou a Constituição do Brasil e suas leis e considerou que o processo em curso não está em conformidade com a legislação brasileira. Essas dúvidas sobre o processo também vêm sendo largamente refletidas na sociedade brasileira, onde uma grande parte da população rejeita o impeachment como um golpe; além disso, a confiança pública no presidente interino Michel Temer tem sido registrada em um dígito em algumas pesquisas de opinião.

O sistema presidencial brasileiro, escolhido em 1988 em uma assembleia constituinte e confirmado em um plebiscito em 1993, não permite voto de “não confiança” como em sistemas parlamentares, ainda assim, o processo de impeachment vem usando exatamente esse tipo de voto para reverter as eleições democráticas de 2014.

Depois dos “golpes legislativos” em Honduras e no Paraguai, a OEA e a região como um todo aprenderam sobre os danos que essas interrupções causam às instituições democráticas, à estabilidade e à confiança social mais ampla que a democracia necessita em última instância. Ao invés de construir a confiança na democracia e nas eleições, esses abusos de poder legislativo fomentam a polarização amplamente disseminada nessas sociedades. Ainda que hajam muitas críticas e frustações válidas em relação à política brasileira e ao estado atual de sua economia, elas não justificam o impeachment de uma presidenta democraticamente eleita sob bases judicialmente espúrias.

A posição que o seu governo tomar durante essa crise será parte de seu legado na região. Se os Estados Unidos não expressarem nenhuma opinião sobre essa ataque às eleições democráticas e instituições democráticas, esse silêncio será por muito tempo lembrado.

No decorrer do julgamento do impeachment, os Estados Unidos podem e devem se pronunciar publicamente e expressar preocupação para que o Senado brasileiro respeite as instituições e os processos eleitorais no qual milhões de pessoas participaram e escolheram um governo que priorizasse políticas de combate à pobreza e à desigualdade, investindo em saúde e educação, e protegendo os direitos humanos e os direitos dos trabalhadores.

Assim como a OEA, o presidente dos Estados Unidos deve declarar publicamente que as ações do Senado podem colocar em risco a credibilidade do Brasil como uma força democrática vibrante e inclusiva nas Américas.

Atenciosamente,
Richard L. Trumka
Presidente AFL-CIO

(Fonte: Assessoria de Imprensa da CNM/CUT)