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Em meio à crise, Sabesp vendeu água do Cantareira com desconto a grandes empresas

Publicado: 29 Abril, 2015 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

Mesmo com a situação do Sistema Cantareira se agravando, a Sabesp forneceu até 782 milhões litros de água deste manancial por meio de contratos de demanda firme entre janeiro e dezembro de 2014. Nesta modalidade, grandes empresas recebem descontos de até 75% nas tarifas – em relação aos usuários comuns que pagam R$ 13,97 por mil litros – para consumo de pelo menos 500 litros de água por mês. A companhia firmou 16 novos contratos de demanda firme com uso de água daquele manancial, sendo cinco exclusivos e 11 em conjunto com outros reservatórios, durante o ano de 2014, segundo dados enviados pela Sabesp à Agência Pública.

O total de água contratada nestes 16 novos acordos no Sistema Cantareira foi de 120 milhões e 695 mil litros de água, correspondente a 55% do total contratado em 2014. Seria o suficiente para o abastecimento diário de pouco mais de um milhão de pessoas, segundo cálculos da ONU.

No entanto, o volume consumido foi 550% maior que o contratado. A quantidade seria suficiente para abastecer por um mês uma cidade como Marília, no interior paulista, que tem 230 mil habitantes. Hoje o sistema opera no volume morto, com -9,3% da capacidade do reservatório.

No Sistema Alto Tietê, que também chegou ao mais baixo nível de água de sua história em 2014 (5%), foram oito, sendo dois exclusivos. Em todos os sistemas que abastecem a região metropolitana de São Paulo, a Sabesp acordou o fornecimento de 222,6 milhões de litros de água mensal, em 43 contratações pela modalidade de demanda firme.

No entanto, o consumo total foi muito superior ao contratado, já que uma das características do modelo é não haver limite de uso de água. O volume de água utilizado pelas empresas que contrataram o serviço em 2014 foi de 1 bilhão e 695 milhões de litros.

O valor dos contratos e o nome das empresas não foi revelado pela companhia. O valor total dos contratos de demanda firme de 2014 é de R$ 88,3 milhões. Com estes, a Sabesp chegou a 526 contratos de demanda firme em dez anos, que totalizam R$ 472,5 milhões por um consumo de 111,3 bilhões de litros desde 2007.

A Sabesp firmou dois contratos de demanda firme – um deles de 20 milhões e 440 mil litros de água por mês e outros de 600 mil litros – poucos dias depois de o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) fazer seu primeiro pronunciamento sobre a crise – em 20 de janeiro.

A companhia seguiu firmando contratos durante os meses seguintes, mesmo com a situação dos reservatórios piorando a cada dia. No dia 27 de outubro, quando o sistema estava prestes a entrar na segunda cota do volume morto, as chuvas ainda eram escassas e a população esperava a definição sobre a aplicação ou não de um racionamento na região metropolitana de São Paulo, a Sabesp fechou o 16º contrato de 2014: mais 14 milhões de litros a serem retirados do Cantareira.

Em março de 2014, a Sabesp realizou as únicas mudanças no sistema de demanda firme. Foram a retirada da obrigação de consumo mínimo e a liberação para obter água por outros meios, como poços artesianos. Antes essas duas condições poderiam levar à quebra do contrato. No entanto, o modelo segue oferecendo descontos maiores a quem consome mais água.

Apesar disso, o secretário Estadual de Saneamento e Recursos Hídricos, Benedito Braga, disse, em março deste ano, que a companhia está com problemas financeiros devido à concessão de descontos na tarifa de água para quem reduzisse o consumo (bônus) e pela redução na retirada de água do Sistema Cantareira. Por essa razão a companhia está pedindo um reajuste na tarifa de 22,7%, dos quais 13,87% já foram autorizados pela Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp). O último reajuste havia sido de 6,49%, em novembro do ano passado.

Falta de transparência
Em 12 de fevereiro deste ano, o portal El País divulgou uma lista com 294 empresas que mantêm contratos de grande demanda com a Sabesp. Dentre eles, a tarifa média mais cara é paga pela Ibep Gráfica, que consome 1,5 mil metros cúbicos por mês: R$ 11,91 por metro cúbico. Já a Viscofan, que fabrica tripas de celulose para embutidos e consome 60 mil m³ mensais em média, paga R$ 3,41 por m³.

Em março, a Sabesp divulgou os nomes de 524 empresas que utilizam os serviços de demanda firme, dentre os quais figuram a Editora Abril, as Organizações Globo, a Associação Comercial de São Paulo, os bancos Itaú e Citibank, e de dezenas de condomínios. No entanto, a companhia não relacionou as empresas com os gastos mensais e as tarifas. Assim como hoje revelou o gasto de água, sem revelar as empresas consumidoras. No mesmo mês, a companhia divulgou 536 contratos de demanda firme – alguns já reincididos –, mas censurou todas as informações relevantes.

Assim, a Sabesp segue descumprindo o determinado pela Controladoria-Geral da Administração (CGA) em janeiro deste ano, de revelar o conteúdo integral dos contratos e os valores e consumos de água relacionados até o dia 26 de fevereiro. O então Corregedor Geral da Administração, Gustavo Ungaro, foi demitido pelo governador Alckmin um mês depois de determinar a divulgação dos contratos.

O serviço de demanda firme foi criado em 2005. Apenas 23 empresas aderiram até 2007, pois o volume de água que podia ser utilizado era pequeno. Os 500 m³ como mínimo foram autorizados em 2010, pela Arsesp. Com isso, o número de contratantes foi de 106 em 2011, 129 em 2012 e 69 em 2013.

(Fonte: Rodrigo Gomes - Rede Brasil Atual)