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Globo e a corrupção no futebol: 'Vai ser muito difícil jogar para debaixo do tapete'

'Por que a CBF ficou intocável durante tanto tempo? Porque a Globo dava retaguarda. Tudo isso veio abaixo agora', diz jornalista Luis Nassif sobre escândalo que envolve grupo da família Marinho.

Publicado: 13 Dezembro, 2017 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

As investigações em curso nos Estados Unidos sobre a corrupção no futebol e denúncias contra a Rede Globo de pagamento de propina para ter direitos de transmissão de jogos de competições como Copa América, Copa Libertadores e Copa Sul-Americana podem romper uma parceria "informal" estabelecida entre a emissora e membros do Ministério Público. Essa é a avaliação do jornalista Luis Nassif, editor do Jornal GGN.

Em entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, na Rádio Brasil Atual, Nassif disse acreditar que a pressão vinda do FBI e dos Ministérios Públicos da Espanha e da Suíça vai tornar impossível uma blindagem da Globo em relação ao escândalo de corrupção no futebol. "Todo o escândalo da Fifa é um escândalo brasileiro, que foi desenvolvido com participação do Havelange e da Globo", analisa. "Nenhum governo que entre pode conviver com um poder absoluto como o da Globo e a sua capacidade de manipulação. Em algum momento, isso vai explodir."

Confira abaixo a entrevista.

Quando exatamente começou esse esquema de corrupção envolvendo a participação da Rede Globo?
A questão da compra de direitos de transmissão começa nos anos 1970. Naquele momento, o presidente da CBD (Confederação Brasileira de Desportos, antecessora da CBF), João Havelange, descobre um veio grande. As grandes marcas, como a Nike, não tinham ainda descoberto o futebol como um grande veículo de vendas.

Então, é provavelmente nos anos de 1970 que começa isso, com a Globo assumindo gradativamente a compra dos direitos de transmissão. O esquema criado por ela era assim: pegava-se um laranja – no caso, o J. Hawilla –, a CBF vendia os direitos, digamos, por 100. Ele pagava 200 e 100 iam para o bolso dos cartolas. Depois, revendia para a Globo por 300, que então revendia as cotas de patrocínio por três vezes esse valor. Esse know how de corrupção chega até a Fifa. Todo o escândalo da Fifa é um escândalo brasileiro, que foi desenvolvido com participação do Havelange e da Globo.

Depois teve o caso da compra dos direitos sem o uso de laranjas, não?
Essa que foi a bola fora da Globo. Quem levantou tudo isso foi o FBI, no âmbito de uma grande operação destinada a desmontar o monopólio de grupos nacionais sobre o futebol nos diversos países da América Latina e da África.

J. Hawilla foi detido, lá atrás. Então, o Marcelo Campos Pinto, da Globo, compra os direitos diretamente de Ricardo Teixeira, e do pessoal da CBF, sem o uso de um laranja. Aí a Globo se expõe, de forma ampla. O FBI já tinha essa informação, desde 2013, 2014, e as investigações continuavam.

Os Estados Unidos têm uma estratégia global baseada em dispositivo de cooperação internacional, um acordo envolvendo Ministérios Públicos de todos os países no combate à corrupção, que foi criado em 2002, depois dos atentados. Eles criaram um novo departamento para centralizar todas as investigações, inicialmente, contra o terrorismo. Depois, aquilo se expandiu para combater a corrupção.

Conseguiram aprovar, na OCDE, uma legislação maluca, que diz que qualquer ato de corrupção, se envolver o dólar, o local para julgar é nos Estados Unidos. Esse departamento começa a desenvolver uma estratégia em defesa dos interesses econômicos das empresas americanas. Os dois setores que eles passam a investigar são o petróleo – daí surge a Lava Jato, alimentada por informações de órgãos dos EUA – e o futebol. Com a internet, os grupos de mídia norte-americanos passam a querer controlar esse mercado bilionário que é o do futebol.

Nessa parceria com o MP brasileiro, os americanos oferecem informações sobre a Petrobras. No caso do futebol, o nosso Ministério Público começa a investigar, mas na hora de enviar informações iniciais para os EUA, uma juíza de primeira instância do Rio de Janeiro acolhe liminar que impede a investigação. O MP então se cala, não reage. No caso da Petrobras, eles foram decisivos para derrubar uma presidenta da República. No caso da Globo, pararam.

É um caso de corrupção brasileira, envolvendo a CBF, mas que foi descoberta pelo MP da Espanha, quando prendeu o ex-presidente do Barcelona, Sandro Rosell, assecla de Ricardo Teixeira.

O repórter do Estadão Jamil Chade tem feito um belíssimo trabalho que mostra que tudo foi levantado pelo FBI, que alimentou o pessoal da Espanha e da Suíça, porque o Brasil já não respondia mais. Só depois que o caso explodiu na Espanha é que o MP pediu para transferir para cá as investigações. A PGR passou para o Ministério Público do Rio para que investigasse. E tenho todas as dúvidas se isso vai acontecer. Até agora, nada. Totalmente parado.

Essas investigações dos Estados Unidos ficaram mais intensas após perderem a disputa para sediar a Copa do Mundo de 2022 para o Catar.
Não sei se especificamente por isso. Se analisarmos a expansão do capitalismo norte-americano, no pós-guerra, eles entram em praticamente todos os mercados da América Latina, em todos os setores, o que faz parte da estratégia geopolítica e econômica deles. O único setor que não conseguiram entrar foi a mídia. As redes de TV norte-americanas tentaram entrar por aqui, mas, nos países da América Latina, havia de um lado as concessões públicas – a TV aberta – e, por outro lado, legislações nacionais que impediam o controle de capital estrangeiro nos veículos de comunicação.

A única tentativa que ocorreu foi da Globo com o grupo Time Life, que, depois, foi obrigado a devolver a parte que tinha comprado. Teve CPI e um monte de coisas. Não conseguiram entrar.

Quando vem a TV a cabo, começam a romper com isso. Mas aí há uma dispersão de audiência, porque, na TV a cabo, são muitos canais. Quando vem a internet, implode de vez todo esse sistema de defesa desses grupos nacionais, como a Globo e o Clarín.

O grande diferencial deles era o controle sobre o futebol. Na Inglaterra, por exemplo, mesmo os programas de maior audiência não chegam a 5%. Quando entra o futebol, vai a 15%. No Brasil, é a mesma coisa. Toda a estrutura de audiência da Globo repousa nos eventos esportivos. Por isso que a Record entrou na briga para conseguir esses direitos, justamente quando o J. Hawilla caiu fora.

Para os grupos americanos que entraram agora – Disney, ESPN, Fox –, e que estão transmitindo futebol no mundo, o interesse era esse: acabar com esse esquema de máfia, envolvendo grupos de mídia, que garantiam blindagem aos cartolas perante o poder público de cada país. Por que a CBF ficou intocável durante tanto tempo? Porque a Globo dava retaguarda. Tudo isso veio abaixo agora.

Isso pode ser explicado, em partes, pela posição totalmente imprudente da Globo na derrubada da Dilma, convocando para o impeachment, fazendo todo aquele carnaval. Lá atrás, quando começou esse jogo do impeachment, algumas pessoas ligadas ao Lula sugeriram conversar com a Globo para que não fosse tão irresponsável. O próprio Emílio Odebrecht, segundo me contaram algumas fontes, teria dito que não dava mais para a Globo, que estaria refém dos EUA. Isso, estamos falando de 2014, 2015. Ficaram refém, nesse período todo, das delações do J. Hawilla e do (José Maria, ex-presidente da CBF) Marin.

Desde lá, ela estava como refém, então, se aproxima do MP, dando apoio para a PEC 37, ou ainda às 10 medidas de combate à corrupção, que todo mundo é a favor mas ninguém tem a menor ideia do que é, porque a Globo fica martelando no Jornal Nacional como se fosse a saída para o Brasil. Esse pacto então continuou. Com Janot, a Globo estreita relações. Faz jogadas com ele contra Raquel Dodge. Só que, agora, mudou o MP. A Raquel Dodge é mais independente que o Janot. Então, vamos ver. Vai ser um jogo interessante.

Nesse período, a gente percebe até uma mudança no Jornal Nacional, que passa a dar destaque para a Lava Jato e à perseguição contra o PT de forma bastante intensa.
É nítido isso. Quando começam as manifestações, em 2013, estava viajando e vi um comentário do (Arnaldo) Jabor, que dizia que o MPL não valia 20 centavos. Comentei com a pessoa do lado: ‘Amanhã, ele vai mudar de opinião’, porque perceberam que aquele clima de mal-estar que existia, nas redes sociais, também por conta da crise econômica e de dificuldades do governo Dilma, iam acabar concentrando na figura da presidenta. Dito e feito. No dia seguinte, Jabor e outros colunistas mudaram de opinião e começaram a insuflar e a montar todo o golpe em torno da Lava Jato.

Pessoas já devem estar estudando sobre tudo isso que está acontecendo. Uma hora todas essas informações devem vir à tona.
Com o avanço das redes sociais, e todas essas informações, conseguimos entender, quase em tempo real, o que estava acontecendo. Estou com um livro pronto sobre isso, juntando todas as seções "Xadrez" que escrevi, com todos esses pontos.

Evidentemente, no começo desse jogo, não se tinha a visão do todo. Mas tinham elementos onde era possível perceber o papel da mídia, do MP, da Polícia Federal. Mas, para a presidenta Dilma, não adiantaram os alertas. Ela tinha a impressão de que a Lava Jato ia derrubar a corrupção, e como ela não fez nada, seria poupada. Foi de uma ingenuidade fatal.

Você imagina que possa acontecer alguma coisa contra a Rede Globo em relação a esse caso?
Não sei. Não dá para a gente analisar a Globo hoje. Hoje ela está superpoderosa ainda, mas a imprudência de derrubar uma presidenta da República, depois tentar derrubar um segundo (presidente), é uma coisa muito grave. Nenhum governo que entre pode conviver com um poder absoluto como o da Globo e a sua capacidade de manipulação. Em algum momento, isso vai explodir.

Não sei se vai ser nesse momento, com uma procuradora acossada por todos os lados, se as investigações vão prosseguir. Mas tem um ponto central, que é o seguinte: é o FBI que está investigando, é o MP da Espanha, da Suíça. Então vai ser impossível para o MP brasileiro segurar por muito tempo.

O caso do Aécio, por exemplo, que foi poupado até o caso JBS. O desconforto que se via nos procuradores, pelas redes sociais, era enorme. Julgavam que derrubaram a presidenta porque são competentes e têm poder. São nada, são apenas técnicos de investigação, com acesso a informação de tudo quanto é país, podendo impor delação premiada. Estão fazendo uma coisa fajuta.

Estamos fazendo uma série, em parceria com o DCM, sobre as delações premiadas, que tem empresas que participaram de corrupção na Petrobras e essas figuras foram liberadas, nem prisão pegaram. Pagaram R$ 3 milhões por uma corrupção que chegava à casa dos bilhões. Os principais corruptores estão sendo soltos. A única condição é dar declarações contra Lula e o PT.

Esse caso agora do programa de computador da Odebrecht. Os advogados do Lula pediram para periciar, e Moro não deixou. Nós publicamos, por meio de informações do livro de Tacla Duran, que houve a manipulação dos extratos, de tudo. O sistema da Odebrecht, com vários servidores, agora que a CPI trouxe informações muito mais completas, Dallagnol anunciou a perícia em dois HDs e um pendrive. Que história é essa? Um sistema que tinha vários servidores vai caber em dois HDs?

Eles fizeram um jogo todo para pegar Lula. Induziram todo mundo, esses advogados que estão ficando ricos com as delações premiadas. O pacto é o seguinte: tem que falar alguma coisa contra o Lula. Como eles não tinham documentos, começaram a manipular os próprios extratos bancários. Agora, isso vem à tona e pode derrubar toda a Operação Lava Jato. Os caras ficam num jogo de esconde que está sendo ridículo.

Em São Paulo, o MP conseguiu isolar dois grandes escândalos: da Siemens e da Alston. Você afirma que o caso da Globo seria a ‘hora da verdade para o MP’. Esse caso não vai dar para isolar?
O MP tem procuradores muito bons. Agora, em Minas, por exemplo, depois dessa arbitrariedade contra a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), tem um procurador que foi contra. Quando saiu, na Lava Jato, algumas operações contra o Lula, procuradores do Distrito Federal apontaram a falta de fundamento e mandaram arquivar. Por outro lado, é um poder extremamente corporativo.

Esse caso de São Paulo, do procurado Rodrigo De Grandis, é um escândalo o que ele fez com a Alston. O MP suíço requisitou informação, e ele guardou numa pasta e esqueceu. Isso é mentira. O próprio José Eduardo Cardozo, em off – porque não tem coragem de vir a público para nada –, deu declaração de que o Ministério da Justiça pediu várias vezes essa documentação. Foi claramente uma atitude para esconder informação.

Houve investigação por parte da corregedoria do Ministério Público, mas como estava na época do auge da Lava Jato, não poderiam enfraquecer o MP, então livraram a cara dele. Hoje ele é candidato a desembargador pelo quinto do MP.

O MP tem gente séria. Dependendo do procurador, vamos ver o trabalho que vai ser feito. Mas, repito: a pressão para apurar virá de fora, com o FBI, o MP da Espanha e o da Suíça. Vai ser muito difícil jogar para debaixo do tapete.

(Fonte: Rede Brasil Atual)