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Há 25 anos, greve dos 'Golas Vermelhas' na Ford mudava patamar de lutas

Movimento, que durou 50 dias, começou na Ferramentaria e Manutenção da montadora no ABC. Ações radicais dos trabalhadores forçaram empresa a mudar relação com o Sindicato.

Publicado: 21 Julho, 2015 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

Crédito: Roberto Parizotti
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Durante 50 dias, entre junho e julho de 1990, os trabalhadores na montadora Ford, em São Bernardo do Campo (SP), protagonizaram umas das mais simbólicas greves da história dos metalúrgi­cos do ABC, na qual a intransigência da empresa norte-americana levou à radicalização do processo e à solidariedade da categoria.

Mesmo os metalúrgicos tendo ousado desafiar a ditadura militar, no final da década de 1970, nunca a luta de classe esteve tão explícita quanto na Gre­ve dos Golas Vermelhas, como o movimento foi batizado, em referência aos uniformes dos traba­lhadores do setor de Manutenção e Ferramentaria.

“Havia um ambiente político difícil porque Lula tinha sido derrotado em 1989 e Collor tinha sido eleito com a imprensa comercial exercendo uma forte influência sobre o eleitorado”, relembrou o presidente do Sindicato e gola vermelha, Rafael Marques.

“A nossa greve foi tratada do mesmo jeito, como se fossemos bandidos, como se não houvesse gente séria trabalhando na Autolatina [fusão entre Volks e Ford de 1987 a 1996], como se não existis­sem dirigentes sérios no Sindicato”, criticou.

E prosseguiu: “Os trabalhadores sentiram naque­la época o mesmo que o Lula sentiu nas eleições, de como a imprensa comercial trata, inverte, engana, cria um cenário hostil para um lado e defende outro. Isso não mudou no Brasil”.

Para Rafael, as relações de trabalho melhoraram muito desde então, com os patrões, o governo e a sociedade.

“Quem até hoje não mudou seu comporta­mento foi a mídia. Parece que sempre terá um metalúrgico do ABC como alvo”, lamentou.

A greve de todos os 900 operários do setor de Manutenção e Ferramentaria inaugurou a estra­tégia adotada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC para a campanha salarial daquele ano, com paralisações em pontos vitais das empresas.

A campanha do Sindicato calculava uma infla­ção de 166,9% e considerava os 11,42%, oferecidos pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp, como esmola aos trabalhadores.

Em 29 de junho, em assembleia, a categoria aprovou por maioria o acordo fechado entre os Metalúrgicos do ABC e a Fiesp, com reajuste de 59,11%.

Mas na Ford ainda havia uma questão penden­te: a demissão de 100 golas vermelhas, entre eles o atual presidente do Sindicato, Rafael Marques, e o afastamento dos diretores sindicais João Ferreira Passos, o Bagaço; e José Arcanjo de Araújo, o Zé Preto; que também integravam a Comissão de Fábrica à época.

A decisão da Ford de demitir os trabalhadores, uma semana antes do encerramento da campanha salarial, gerou revolta nos companheiros do chão de fábrica e fez com que o pessoal do setor de manutenção e ferramentaria entregassem suas carteiras funcionais em sinal de protesto.

Os trabalhadores, que não estavam em greve, mas apoiavam o movimento, decidiram doar 10 horas de trabalho para pagar o salário daqueles que estavam na linha de frente do processo.

Crédito: Roberto Parizotti
Carros da diretoria da Ford foram depredados Carros da diretoria da Ford foram depredados
Carros da diretoria da Ford foram depredados depois da suspensão dos salários

A Greve dos Golas Vermelhas caracterizou-se por essa consciência do coletivo. A visão estraté­gica transformado-se em posição ideológica e de enfrentamento de classes, com decisões claras sobre a luta que pretendiam travar.

Para cada ação de endureci­mento da fábrica, uma ação de resistência era disseminada pelos trabalhadores.

Em 20 de julho daquele ano, a Ford suspendeu o pagamento do adian­tamento salarial de todos os 7.400 trabalhadores, sem distinção.

A reação dos metalúrgicos foi imediata: incendiaram carros dos diretores da empresa e depredaram algumas dependências da fábrica.

Os dirigentes sindicais foram chama­dos. A polícia também.

O objetivo de desarticular o chão de fábrica teve efeito contrário: aumentou a solidariedade e ampliou o seu alcance de mobilização para além dos muros da empresa.

Crédito: Roberto Parizotti
Movimento durou 50 diasMovimento durou 50 dias
Movimento durou 50 dias

A tensão aumentava. No dia 26 de julho, pela manhã, os trabalhadores encontraram a fábrica cercada pela tropa de choque da Polícia Militar.

A interferência e firmeza das lideranças sindicais e locais evitaram o confronto. A ação foi reconhecida e o diálogo entre o Sindicato e a Ford foi retomado.

“A Greve apresentou uma solução aos traba­lhadores e ao país, que o que vale em uma relação é o diálogo, é o respeito mútuo”, completou o presidente.

As negociações levaram à readmissão de 80 trabalhadores e à reintegração dos membros da Comissão de Fábrica e da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), entre outras ga­rantias. Os demais 20 operários sairiam por um programa de demissão voluntária.

O preço pago pelo movimento foi o afasta­mento da fábrica dos diretores Bagaço e Zé Preto, porém com a garantia de manutenção de seus pagamentos.

Em 30 de julho de 1990, os trabalhadores na Ford aprovaram o acordo e encerram a Greve dos Golas Vermelhas.

Início da militância
O secretário geral da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM/CUT), João Cayres, um dos "golas vermelhas" na época, recorda que aquele movimento representou o início de sua militância nas lutas dos trabalhadores.

"Foi nessa greve que percebi a forte solidariedade de classe, o respeito entre os metalúrgicos. Durante a greve, passei a frequentar a sala da Comissão de Fábrica [foto abaixo], o Sindicato e a me envolver, pra valer, com o movimento sindical", lembra Cayres.

O sindicalista destaca ainda que a greve rompeu os paradigmas na relação capital-trabalho e a instransigência patronal.

"Havia orientação do governo Collor para que não houvesse reposição da inflação nos salários e a Ford tinha a postura de não negociar com o Sindicato. A partir daquela greve, as relações mudaram e as negociações passaram a ser valorizadas", assinala João Cayres.

Crédito: arquivo pessoal
João Cayres (esq.) e outros golas vermelhas na sala da Comissão de FábricaJoão Cayres (esq.) e outros golas vermelhas na sala da Comissão de Fábrica
João Cayres (esq.) e outros golas vermelhas na sala da Comissão de Fábrica, em julho de 1990

Para relembrar esse histórico movimento, circula hoje entre nas fábricas do ABC uma edição especial da Tribuna Metalúrgica, jornal do Sindicato, que traz mais detalhes sobre a greve:

• 50 dias que marcaram a história da categoria

• Movimento completa 25 anos e é revivido pelas lideranças

• Fotojornalista Roberto Parizotti, o Sapão, guarda em seu acervo pessoal mais de mil imagens sobre a greve

• Tribuna Metalúrgica - Edição Especial (PDF)

(Fonte: Imprensa - Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, com informações da CNM/CUT)