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Lucro de multinacionais: OCDE lança pacote contra evasão

Publicado: 05 Outubro, 2015 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) anunciará nesta segunda-feira (5) o pacote final de 15 medidas representando a mais ampla reforma do padrão tributário internacional em quase um século, para forçar multinacionais a declarar os lucros onde têm atividade econômica e obtém os rendimentos.

Astúcias de multinacionais, várias delas ilegais, causam perdas de arrecadação aos governos estimadas entre € 100 bilhões e € 240 bilhões anualmente. Isso representa 4% a 10% do rendimento que deveria ser tributado, e ocorre com as companhias fazendo lucros "desaparecerem" ou serem artificialmente transferidos para países com baixa taxação, onde elas têm pouca ou nenhuma atividade econômica.

O impacto dessa evasão é particularmente significativa sobre os países em desenvolvimento, mais dependentes do imposto sobre essas companhias.

O pacote final do projeto Beps (Erosão da Base e Transferência de Lucros), negociado durante dois anos e meio entre dezenas de países desenvolvidos e emergentes, estabelece novos padrões mínimos em nível internacional para fechar lacunas e zonas cinzentas que permitem o deslocamento de lucros para paraísos fiscais.

Pela primeira vez, os fiscos terão uma visão global das operações dessas empresas: as multinacionais com receita anual a partir de € 750 milhões terão de declarar anualmente a cada jurisdição fiscal onde tem negócios os montantes de rendimento, lucro, total de ativos e de empregados, pagamento de impostos e provisionamentos.

Os primeiros "country-by-country reports" devem ser preenchidos e trocados entre os fiscos de países, com acordos internacionais, em 2017. Quer evitar dupla taxação, de um lado, mas de outro forçar o pagamento do imposto no local do ganho.

Será reforçada a regra sobre preço de transferência (valor cobrado por uma empresa na venda ou transferência de bens, serviços ou propriedade intangível a uma empresa a ela relacionada), para alinhá-lo com a criação de valor. Reconhecendo a dificuldade em avaliar propriedade intelectual, uma abordagem especial para intangíveis foi definida.

Para dar mais transparência, as múltis terão de submeter informações sobre suas operações globais e políticas de transferência de preços num "master file", e detalhes sobre as transações e valores envolvidos nessas operações num "local file".

O pacote estabelece também padrões para frear práticas de "treaty shopping" (usado por investidores que querem evitar retenção na fonte) e de outras estratégias de utilização abusiva de convenções fiscais entre os países. Vai evitar que uma empresa produza na África do Sul, pague royalties na Holanda e que esse dinheiro seja transferido para as Bermudas sem pagar imposto.

Também alveja o uso abusivo de produtos híbridos. Utilizados por grandes empresas para baixar artificialmente a fatura fiscal, esses produtos financeiros tiveram desenvolvimento exponencial nos últimos anos. Por exemplo: a venda de obrigações conversíveis em ação da matriz para uma filial muito lucrativa, resultando em dupla dedução fiscal. A filial deduz de seu imposto o pagamento de juros e a matriz recebe dividendos não tributáveis.

Agora o pacote recomenda um "corredor" de possível dedução líquida entre 10% e 30% do Ebidta (Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) para juros e outros pagamentos. Os setores bancário e de seguros terão limites específicos a serem desenvolvidos.

Novas medidas são sugeridas para implementação nas leis nacionais, incluindo o endurecimento da regra sobre Companhias Estrangeiras Controladas (conhecida pela sigla inglesa CFC). Atualmente, essas CFC conseguem guardar uma montanha de dinheiro em filiais estrangeiras para escapar do fisco do país de origem. Somente as múltis dos EUA teriam mais de US$ 1 trilhão em dinheiro em filiais estrangeiras, evitando levar os recursos de volta. Igualmente, foi redefinido o conceito chave de Estalecimento Permanente.

Haverá obrigação de divulgação de dispositivos de planificação fiscal agressiva. Regimes preferenciais que facilitam evasão fiscal podem estar com os dias contados. Exemplo: a prática de Luxemburgo do "tax ruling", acordos secretos que permitem a empresas pedir com antecipação como sua situação será tratada pelo fisco do país e obter garantias jurídicas de que vai pagar pouco ou quase nada de taxação. Um escândalo no ano passado comprovou Luxemburgo como paraíso da fraude fiscal, onde 340 multinacionais usaram o mecanismo para economizar bilhões de dólares de imposto.

No caso de transações eletrônicas, também foram criadas regras para garantir que o imposto sobre valor agregado (VAT, em inglês) seja coletado onde o consumidor está localizado. Se o consumidor adquiriu um programa em Cingapura e o recebeu pelo celular ou computador, vai pagar taxação no seu país. Conforme a OCDE, a experiência mostra que nos países onde já foi introduzido o registro simplicado no mercado online "business-to-consumer" aumentou consideravelmente a coleta de VAT.

Como ocorre nesses projetos, ficam em aberto as grandes questões de implementação para o futuro. Um país que não quiser adotar nenhuma das medidas não poderá ser forçado a isso. Mas a OCDE estima ter agora grande apoio político, quando os governos precisam desesperadamente de recursos. Um sistema para monitorar o projeto Beps será elaborado.

(Fonte: Valor)