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Obra parada, trabalhador demitido: quem paga a conta da Lava Jato são os mais pobres

O Jornal Brasil de Fato publica a primeira reportagem da série 'Lava Jato e desindustrialização', que traz histórias de desempregados da indústria naval.

Publicado: 07 Julho, 2017 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

Viviane Neves Gomes, 42 anos, está à procura de emprego. Encarregada de andaime nas obras do estaleiro Rio Grande, no litoral gaúcho, ela trabalhava desde 2012 para a empresa Engevix Construções Oceânicas (Ecovix). Há sete meses, os patrões convocaram uma assembleia e anunciaram a demissão de 3,2 mil operários. Na lista de rescisões, além de Viviane, estavam o marido dela, Jonas Gomes, e o filho, Lucas Neves.

A Engevix é uma das empreiteiras investigadas pela operação Lava Jato por pagamento de propina em contratos com a Petrobras. Desde o ano passado, o único dono da empresa é o engenheiro paranaense José Antunes Sobrinho. Denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção ativa, ele foi absolvido pelo juiz Sérgio Moro em maio de 2016 e está solto.

“Todos os dias, incansavelmente, a gente procura, mas não tem mais emprego na cidade. Com o fechamento do estaleiro, todos os setores foram afetados”, lamenta Viviane. “Tem 200 pessoas atuando no estaleiro no momento, para manutenção apenas. Na época mais forte, eram doze mil”.

O marido e o filho dela voltaram a trabalhar em junho. Lucas e Jonas foram contratados como ajudantes no setor de construção civil e recebem menos da metade do que ganhavam no estaleiro – o salário caiu de R$ 2,5 mil para R$ 1,1 mil ao mês.

Crédito: Brasil de Fato
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Pior para elas
Cerca de 30% da mão de obra do estaleiro Rio Grande era feminina, e a recolocação no mercado tem sido muito mais difícil para as mulheres. Quando se deu conta disso, Viviane e várias ex-colegas de trabalho passaram a participar do grupo Muralha Rosa, que reivindica a implementação de políticas públicas para reinserir as mulheres na indústria.

O único ponto da reforma trabalhista de Michel Temer (PMDB) que diz respeito à redução da desigualdade de gênero é visto como um tiro no pé. O texto prevê que gestantes e lactantes possam trabalhar em locais insalubres, como postos de gasolinas e hospitais, expondo as mulheres a riscos e precarizando ainda mais a mão de obra feminina.

Do paraíso ao inferno
Presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CMC-CUT), Paulo Cayres calcula que a cada prisão decretada pela Lava Jato, 22 mil vagas de emprego são destruídas. A estimativa foi feita com base em números divulgados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e pelo MPF.

“Quando a gente diz que a Lava Jato só prejudicou o trabalhador, as pessoas nos julgam. Mas os prejudicados, realmente, são da classe operária”, explica a trabalhadora gaúcha. “Os grandes empresários continuam mantendo o luxo das suas vidas como faziam antes”.

Se Viviane tem ao menos quem lhe ajude a colocar comida na mesa, o mesmo não se pode dizer de Karina Benites. Aos 29 anos, ela enxergava a indústria naval como uma possibilidade de realizar sonhos. Para quem trabalhava no manuseio de pescados por menos de R$ 13,00 ao dia, ser admitida na Ecovix com todos os benefícios da CLT era “bom demais para ser verdade”.

Karina entrou no estaleiro Rio Grande como ajudante. Em dois anos e oito meses, aprendeu a soldar e a lidar com maçarico. Subiu vários degraus na hierarquia da empresa antes de ser demitida, em outubro de 2016. Com ela, outros 400 trabalhadores tiveram o contrato rescindido no mesmo dia.

“Foi a penúltima leva. Desde então, estou desempregada. E o seguro desemprego já foi”, conta. “Eu sou o pai e a mãe, o chefe da casa. Tenho um gurizinho de dois anos, e ele é totalmente dependente de mim. Tento de todas as formas entrar no mercado de trabalho, mas não consigo. Nós tivemos o paraíso e agora fomos para o inferno”.

A demissão de Viviane, Lucas, Jonas, Karina e milhões de brasileiros é resultado da inconsequência dos procuradores da Lava Jato, segundo o economista Luiz Gonzaga Belluzzo. “E o governo não faz nada para recuperar essas empresas e seu acervo tecnológico, de experiência”, critica. “A minha estimativa é que, direta ou indiretamente, as operações Lava Jato e a Carne Fraca são responsáveis por 5 a 6 milhões de desempregados [de um total de 14,2 milhões]”.

A paralisação de obras e o consequente desemprego retiraram R$ 90 bilhões da economia nacional, segundo pesquisa da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (Cbic) – sem considerar o impacto incalculável da entrega do pré-sal e da destruição da imagem do país no exterior. O MPF afirma que o valor total do ressarcimento pedido pela Lava Jato, incluindo multas, é equivalente a R$ 38,1 bilhões, ou pouco mais de um terço do rombo que causou.

Crédito: Brasil de Fato
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O desmonte da indústria
Até os anos 2000, a maior parte da infraestrutura naval do país estava concentrada em três municípios: Angra dos Reis, Niterói e Rio de Janeiro – todos no mesmo estado. A expansão geográfica do setor foi o resultado de políticas implementadas no primeiro mandato do ex-presidente Lula (PT), para atrair investimentos em pontos estratégicos do litoral. Com o mesmo objetivo, a partir de 2004, a Petrobras foi obrigada a firmar contratos para construção de estaleiros, plataformas e embarcações com empresas nacionais.

Todos os empreendimentos da indústria naval brasileira dependiam da demanda da estatal. Em dez anos, o estoque de empregos diretos no setor cresceu 383% e chegou a 71,6 mil. O sonho durou até a deflagração da Lava Jato, em março de 2014. No segundo semestre daquele ano, a Petrobras deixou de repassar os pagamentos para realização de obras nos estaleiros, o que afetou toda a cadeia produtiva.

A diferença na carteira anual de pedidos da petrolífera, de 2013 para 2016, evidencia o rombo causado no setor. Em três anos, as encomendas de navios de apoio marítimo despencaram de 61 para dezoito; de navios petroleiros, de 34 para vinte; de embarcações para navegação fluvial, de 220 para 96; de sondas de perfuração, de 29 para zero.

Sem dinheiro para concluir as encomendas, o estoque de empregos na indústria naval caiu 44% entre 2014 e 2016. E pode piorar. O Plano de Negócios e Gestão da Petrobras, referente ao período 2017-2021, prevê um investimento de US$ 74,1 bilhões, quase 25% a menos do que o previsto no plano anterior.

“Tudo parado”
O conselheiro do Fundo da Marinha Mercante (FMM), Edson Rocha, também atua como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro diz que, antes da Lava Jato, o município tinha dez estaleiros ativos para reparo e construção de embarcações. “Hoje, nós temos só dois estaleiros de reparo, e funcionando com 50% da capacidade. Todos os estaleiros de construção pararam”, descreve o sindicalista.

No cais do estaleiro Mauá, em Niterói, três navios da Petrobras Transporte S.A (Transpetro) estão em fase de construção. Edson Rocha explica que um deles, batizado de Irmã Dulce, está com 95% das obras concluídas, mas não há perspectivas de colocá-lo em funcionamento por falta de recursos. “E cada vez fica mais caro terminar esses navios”, completa.

Edson Rocha conta que os municípios que sediam os portos mais antigos do país se tornaram exportadores de mão-de-obra. “Tem muita gente de outros pólos navais que foi para Rio Grande, para Pernambuco, ou para o pólo de Itajaí, em Santa Catarina. Eram trabalhadores mais antigos, que se espalharam pelo Brasil para ajudar os trabalhadores de outros locais, e acabaram ficando”, explica. “E agora até esses estão sendo demitidos”.

Do estaleiro ao ponto de táxi
O operário mineiro Francisco Assis, 45 anos, conhecido como Chicão, trabalhava no setor de manutenção e montagem no polo naval do Espírito Santo. Quando soube da necessidade de mão de obra para construção de cascos para oito navios em Rio Grande, vendeu tudo o que tinha, mudou-se para o litoral gaúcho e foi contratado pela Ecovix.

Na cabeça de Chicão, o cálculo era simples. Cada casco levaria pelo menos cinco anos para ficar pronto, o que significava quase duas décadas de trabalho garantido no Rio Grande do Sul. “Eu cheguei a comprar até casa aqui na cidade”, conta. “Fizemos três cascos de navio das plataformas P-66, P-67 e P-68. Ainda tinha mais cinco!”.

Os navios mencionados por Francisco deveriam servir como uma espécie de refinaria ambulante. Além de extrair o petróleo, eles podem ser usados para armazenar, fazer a separação em gás e gasolina e a distribuição, tanto do petróleo bruto quanto dos subprodutos. “Dos navios que nós terminamos, só o da P-66 que está funcionando. O da P-67 está lá no Espírito Santo, encostado num canto, apodrecendo. E o da P-69 está no Rio [de Janeiro], parado também”, afirma o operário.

Desde que foi demitido, em dezembro de 2016, Chicão fez bicos como cortador de grama, pintor e lavador de carros. Encarregado de mecânica com dez anos de experiência na indústria naval, restou a ele um emprego como taxista.

Desempregado em decorrência da Lava Jato, o operário concorda com os objetivos da força-tarefa, mas discorda dos métodos: “Delação premiada não resolve. Tem que pegar os corruptos, calcular quanto é o rombo, fazer eles darem esse dinheiro de volta, e não parar o país. Eles iam fazer oito navios? Tem que tocar os oito navios! O Brasil precisa desses navios”.

Crédito: Brasil de Fato
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Infraestrutura comprometida
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) estima que nenhum setor foi tão prejudicado pela Lava Jato quanto a construção civil: foram mais de um milhão de empregos perdidos desde o início da operação.

Rodovias, universidades, postos de saúde, estações e linhas de metrô, além dos investimentos da Petrobras, compõem a lista de empreendimentos paralisados por suspeita de superfaturamento ou por falta de recursos para conclusão.

A paralisação de obras retirou R$ 90 bilhões da economia nacional, segundo pesquisa da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (Cbic). O MPF afirma que o valor total do ressarcimento pedido pela Lava Jato, incluindo multas, é equivalente a R$ 38,1 bilhões, ou pouco mais de um terço do rombo que a operação causou. Sem considerar o impacto da entrega do pré-sal e da destruição da imagem do país no exterior, nem o dinheiro que deixa de circular na economia com a diminuição da massa salarial.

Leia também Paulo Cayres: 'Cada prisão da Lava Jato custou 22 mil postos de trabalho'

(Fonte: Daniel Giovanaz - Brasil de Fato)