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Fórum Social debate industrialização e desafios dos trabalhadores na América Latina

Oficina da CNM/CUT nesta sexta-feira (22), em Porto Alegre (RS), reuniu mais de 100 trabalhadores. Ao final, foi aprovado documento dos metalúrgicos com propostas ao FSM.

Publicado: 22 Janeiro, 2016 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

Reunidos na manhã desta sexta-feira (22), em oficina do Fórum Social Temático (FST), em Porto Alegre (RS), mais de 100 metalúrgicos e representantes de outros ramos da indústria debateram a industrialização e os desafios da classe trabalhadora na América Latina. A oficina foi promovida pela Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM/CUT) com o objetivo de discutir a função social da indústria e os desafios necessários para ampliar a distribuição de renda, o nível de emprego e a sustentabilidade ambiental, e para combater a precarização do trabalho na indústria brasileira e na América Latina.

Ao final, foi aprovada simbolicamente a "Carta dos Metalúrgicos da CUT", que será encaminhada à coordenação do Fórum Social Mundial propondo ações mais deliberativas (leia a íntegra abaixo).

A atividade foi aberta com um painel que reuniu representantes das confederações nacionais que integram o Macrossetor da Indústria da CUT: metalúrgicos (CNM/CUT), químicos (CNQ-CUT), trabalhadores na Construção (Conticom-CUT), em Alimentação (Contac-CUT) e Vestuário (CNTV-CUT). Eles falaram da importância do encontro e da necessidade de a classe trabalhadora permanecer unida e solidária na luta contra o avanço do conservadorismo no Brasil, na América Latina e no Mundo.

Crédito: Divulgação
Oficina foi acompanhada por mais de 100 pessoasOficina foi acompanhada por mais de 100 pessoas
Oficina foi acompanhada por mais de 100 pessoas

Luta contra neoliberalismo
Embora reconheçam que a atual crise econômica afetou alguns ramos com menos força por causa da valorização do dólar, todos foram unânimes em afirmar que a classe trabalhadora brasileira enfrenta um retrocesso causado pelo arrocho salarial e pela precarização do trabalho, especialmente causada pela terceirização.

“Temos de reafirmar a luta contra o neoliberalismo e contra o rentismo. É preciso fazer uma auditoria nas dívidas dos países públicas para enfrentar a política predatória do capitalismo que oprime e empobrece ainda mais o povo”, afirmou o metalúrgico Claudir Nespolo, presidente da CUT-RS.

 

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Sanches (esq.) e Claudir Sanches (esq.) e Claudir
Sanches (esq.) e Claudir, ao final da oficina

Democracia incomoda o capital
Convidado para fazer uma abordagem histórica da industrialização e da classe trabalhadora a partir do final do século 20, Hélio da Costa, coordenador do Programa de Responsabilidade Social do Instituto Observatório Social, disse que atualmente está havendo um novo ataque à democracia. “A democracia foi conquistada pelos trabalhadores justamente para mudar as condições de vida e de trabalho. Para o mercado, a democracia vira um incômodo, um obstáculo à sua realização, ao acúmulo de capital”, destacou Costa, que também é historiador.

Segundo ele, o cenário atual mostra que não há utopias libertadoras e do socialismo, que aglutinavam a classe trabalhadora. No passado, os trabalhadores se identificavam com o socialismo de alguma forma. E mesmo vertentes do cristianismo e de outras correntes também se identificavam com a ideia de socialismo e de transformação e superação do capitalismo.

Essa ideia hegemônica sofreu grandes abalos, tanto pela derrocada do socialismo como pela própria atuação dos partidos de esquerda, quando assumiram governo,s especialmente na Europa. A partir dos anos 1980, com a globalização, os partidos sociais-democratas e socialistas incorporam parte da agenda neoliberal, que fez com que se diferenciassem muito pouco dos partidos conservadores, causando desgaste e descrença para eles.

 

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Hélio (ao microfone) fez um resgateHélio (ao microfone) fez um resgate
Hélio (ao microfone) fez um resgate da industrialização e da história dos trabalhadores

Meritocracia x Solidariedade
Hélio salientou que a classe operária não é mais uniforme, de massa, e, sim, mais fragmentada. O sindicalismo do pós-guerra, que se identificava com a maioria da população, não existe mais. “Estão incutindo nas escolas, inclusive nas cabeças de crianças pequenas, os valores do mercado, do neoliberalismo, para que os jovens não pensem mais em proteção social, mas apenas em serem competitivos no mercado. A ideia da meritocracia é muito mais trabalhada do que a ideia do coletivo, da solidariedade, de construir valores na sociedade”, considerou.

"O desafio é como recuperar valores hegemônicos e solidários que nos identifiquem na contraposição à ideia neoliberal de mercado autoregulável. É neste momento de crise que temos a oportunidade de superar os equívocos daquele tempo e aproveitar as lições e os avanços do passado e enfrentar os dilemas atuais”, concluiu.

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Marino VaniMarino Vani
Marino Vani (em pé) abordou desafios da IndustriALL e dos sindicatos

Combater a precarização do trabalho
Marino Vani, representante na América Latina da IndustriALL Global Union (IGU), falou do processo de criação desta federação internacional que representa os trabalhadores metalúrgicos, químicos e têxteis em todo o mundo.

Para ele, hoje um dos principais desafios da IGU é enfrentar a globalização, combater a precarização do trabalho, a concentração da riqueza, a pobreza no mundo, enfim, cumprir o papel e a missão de ser uma organização que luta por um modelo de desenvolvimento justo, voltado para os seres humanos e não para o capital.

Vani também demonstrou preocupação quanto ao baixo nível de sindicalização, que enfraquece as entidades sindicais no mundo e abala a representatividade das categorias. “Em nível global, somente 15% dos trabalhadores são sindicalizados. Na América Latina é ainda menor: apenas 8%. Em alguns países, apenas 1% dos trabalhadores são sindicalizados. O desafio é aumentar a sindicalização, combater a terceirização, a precarização, a redistribuição do trabalho e a nova revolução industrial chamada Indústria 4.0, que não vai gerar mão de obra.

Macrossetor da Indústria
Ele elogiou o movimento sindical do Brasil por ser um dos poucos que ainda conseguem se reunir com os governos para discutir algumas políticas de desenvolvimento e parabenizou a CUT pela organização do Macrossetor da Indústria.

Vani propôs que na pauta debatida com o governo sejam priorizados temas como a educação técnica profissional, o seguro-desemprego, a aposentadoria, o primeiro emprego, a igualdade de direitos entre homens e mulheres e, dentro da política industrial, haja a discussão dos contratos coletivos nacionais como forma de enfrentar o trabalho precário.

“Também é preciso discutir a redistribuição de riquezas e da renda daquilo que é produzido no país, defender programas de inclusão social como o Bolsa Família, a regulamentação do sistema financeiro no Brasil e no mundo, os impostos (especialmente sobre as grandes fortunas e heranças), o papel do Estado, as políticas públicas, a valorização do salário mínimo, o direito à greve e o fundo de greve para fortalecer o movimento”, pontuou o representante da IndustriALL.

Políticas de inclusão social
O secretário de Relações Internacionais da CNM/CUT, Valter Sanches, lembrou do primeiro Fórum Social Mundial (FSM), em 2001, que foi um divisor de águas em nível internacional, por causa de dois importantes acontecimentos: as grandes mobilizações dos movimentos sociais e o ataque às torres gêmeas em Nova York (EUA), que causou a supressão de liberdades individuais e aprofundou o neoliberalismo no mundo, mas não foi suficiente para impedir o avanço de governos democráticos e populares na América Latina.

“Eses governos adotaram políticas de inclusão social, elevaram a renda, estimularam o crescimento da indústria e dos serviços, geraram milhões de empregos e tiraram da miséria e da pobreza milhões de pessoas”, observou.

Reação conservadora
No entanto, Sanches observou que, de dois anos para cá, a realidade é outra. Há um processo em curso de reação da direita, particularmente por meio de uma brutal manipulação da mídia, que se esquece das virtudes dos governos democráticos e populares e tenta imputar a eles a responsabilidade pelo avanço da corrupção, como hoje acontece no Brasil.

Segundo ele, essa reação de restauração conservadora é uma grande ameaça, inclusive às políticas industriais de incentivo, como o Inovar-Auto e aos empregos. “Além disso, a crise mundial pode nos afetar porque muitas de nossas economias são voltadas ao mercado de exportação”, afirmou.

Retrocessos
O dirigente da CNM/CUT também lembrou que outra preocupação é o acordo de cooperação (TTPA), assinado em outubro passado, que impõe retrocessos na legislação trabalhista e gera mais precarização do trabalho porque institui acordos entre empresas, que podem valer mais que a própria constituição do país.

"Também há um brutal e crescente processo de precarização do trabalho, forjado a partir dos 'contratos de proteção', que não protege o trabalhador, mas os investimentos do capital, e permite, por exemplo, que uma determinada empresa, antes de se instalar numa cidade sem sindicato do ramo, possa criar a organização sindical e celebrar um acordo coletivo antes de contratar o primeiro trabalhador. Depois, quando os trabalhadores tentarem organizar um sindicato, este já estará na mão da classe patronal", assinalou.

Sanches lembrou ainda que o FSM nasceu para ser contraponto ao Fórum Econômico Mundial, de Davos, na Suíça, local onde os governantes e detentores do capital debatem como aprofundar a dominação colonizadora neoliberal no mundo. “Neste momento, estão discutindo a 4ª Revolução Industrial (Indústria 4.0) e os impactos no conjunto da economia mundial, entre os quais o fim de cinco milhões de empregos nos próximos quatro anos”, afirmou.

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Loricardo de OliveiraLoricardo de Oliveira
Loricardo de Oliveira

Para ele, é preciso lutar em várias frentes para barrar acordos de livre comércio, para que seja adotada política econômica que proteja a indústria nacional e garanta iniciativas como o Inovar-Auto, por exemplo.

Disse que também é necessário lutar contra organismos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio, batalhar pela solidariedade e a união da classe trabalhadora, e reforçar a atuação do Macrossetor da Indústria da CUT, para proteger todos os ramos do avanço nocivo desta "4ª Revolução Industrial".

Carta dos Metalúrgicos e lançamento de livro

Ao final, o coordenador da oficina e secretário geral em exercício da CNM/CUT, Loricardo de Oliveira, anunciou que a Confederação, em nome dos metalúrgicos da CUT, encaminhará aos organizadores do Fórum Social Temático uma carta propondo, entre outras coisas, que o FSM seja menos consultivo e mais deliberativo, onde as categorias e organizações como o Macrossetor da Indústria possam apresentar os encaminhamentos discutidos.

Após a realização da oficina, a CNM/CUT e o Dieese lançaram o livro “As Faces da Indústria Metalúrgica no Brasil: uma contribuição à luta sindical”.

A publicação apresenta um diagnóstico completo dos seis segmentos que compõem o ramo metalúrgico no país e foi distribuída a todos os participantes da oficina (o download da obra pode ser acessado aqui).

Confira a Carta dos Metalúrgicos da CUT:

Paz, Democracia, Direitos dos Povos e do Planeta – FSM 15 anos

Pela democracia, por desenvolvimento e política industrial com soberania e distribuição de renda

Vivemos em todo o mundo mais uma das crises do capitalismo. Invariavelmente, a grande maioria dos países adotam medidas que penalizam a classe trabalhadora, retirando direitos e aplicando um receituário em que o sistema financeiro recebe socorro em detrimento da massa de trabalhadores que perdem empregos, renda e direitos.

As populações em situação de rua crescem nos países centrais. A miserabilidade é um dos resultados da aventura econômica dos grandes grupos financeiros em sua sanha por lucro e poder. Para esses grupos, não interessa a soberania e o desenvolvimento com distribuição de renda aos mais pobres. Para eles, o mercado é a solução final.

A nossa agenda é outra: queremos crescimento econômico com distribuição de renda e soberania nacional, democracia e participação popular. Nossa agenda é a da alegria e da esperança, com autodeterminação dos povos, um mundo mais justo igualitário e fraterno.

Depois de 2003, o Brasil tornou-se um modelo para o mundo todo, com políticas públicas de inclusão social, como o Bolsa Família, o ProUni, o sistema de cotas para negros e índios nas universidades públicas, a política de valorização do salário mínimo, as diversas conferências populares, o reconhecimento das centrais sindicais, a política de relações internacionais soberana e autônoma, fortalecendo as relações Sul-Sul e o BRICs, resultando em um crescimento do emprego e da renda.

Mais de 22 milhões de pessoas saíram da faixa de miséria, totalizando mais de 40 milhões de pessoas que subiram na pirâmide social. Só por isso já teria valido a pena, pois nenhum país do mundo conseguiu esse resultado nos últimos anos.

Considerando que a indústria é o motor do crescimento econômico, é preciso desenvolver uma política industrial integrada na América Latina, que proporcione condições de competitividade frente ao mundo globalizado, com desenvolvimento tecnológico, além de geração de postos de trabalho decente em toda cadeia produtiva.

É preciso retomar os investimentos em infraestrutura para o campo e cidade, no setor produtivo, na liberação de crédito, no adensamento das cadeias produtivas e no setor de serviços. É preciso investir no setor de energia, defender a Petrobras e o pré-sal como patrimônio dos brasileiros. Por isso, defendemos que é necessário um conjunto de medidas que vise a ampliação das políticas públicas para a indústria brasileira e a retomada do crescimento econômico, sem penalização da classe trabalhadora, sem retirada de direitos, com democracia e participação popular.

O Brasil e os países da América Latina não podem abrir mão do projeto da classe trabalhadora. As medidas tomadas na Europa já demonstraram que o receituário neoliberal penaliza as populações mais frágeis, criando multidões de desempregados, desalentados e desesperados.

No que diz respeito ao Mercosul, é urgente que nós, trabalhadores e trabalhadoras, neste momento, concentremos nossos esforços para manter e criar novos espaços e fóruns de debates que sejam constantes, com o objetivo de organizar ações frente aos ataques das multinacionais, garantindo a manutenção das conquistas nas relações de trabalho e na organização sindical e, assim, avançar na democracia no local de trabalho.

Além disso, juntamente com a IndustriALL Global Union, buscarmos a construção de agendas para o desenvolvimento da América Latina, onde a indústria de transformação seja um dos pilares de investimentos, e que haja maior controle na exportação de commodities e na transferência de tecnologia, garantindo a distribuição de renda e melhores condições  de trabalho.

No que diz respeito às relações sindicais na América Latina, a atuação das multinacionais tem sido constantemente pautada por frequentes práticas antissindicais e desrespeito às convenções e acordos coletivos conquistados democraticamente pela classe trabalhadora através de sua organização sindical e que, inclusive, ferem as Convenções 98 e 154 da OIT,  já ratificadas pelo Brasil, que dizem respeito ao “direito de sindicalização e negociação coletiva” e “fomento à negociação coletiva”, respectivamente.

Além destas, também vão contra a Convenção 87 da OIT, no que se refere à liberdade e à autonomia sindical pela qual lutamos. Esses são temas que deverão ser priorizados nas pautas entre os trabalhadores, governo e empresários, criando regras institucionais de radicalização da democracia no local de trabalho e punições a quem desrespeitar o direito a organização dos trabalhadores, como meio de se garantir trabalho decente aos trabalhadores da  indústria na América Latina.

É preciso semear a nossa esperança e a nossa utopia. Provamos que é possível mudar um país do tamanho continental como o Brasil, com crescimento econômico e inclusão social. Entretanto, vivenciamos uma crise mundial que perdura. A batalha que está sendo travada é contra o nosso projeto. Mais do que nunca, precisamos fortalecer a solidariedade entre os trabalhadores do campo e da cidade, na resistência e na luta pelo nosso modo de ver o mundo.

Somos os responsáveis por traduzir às nossas bases o sentimento de esperança e a importância da luta de classe que está sendo travada em toda parte. O que está em jogo são as conquistas que tivemos nestes poucos anos. Há ainda muito que se conquistar, mas não podemos abrir mão de tudo que avançamos. A luta é árdua e difícil, mas somente os que são corajosos e persistentes saberão travar o bom combate.

Não há espaço para vacilar e precisamos apoiar os governos que têm apontado para o desenvolvimento com distribuição de renda. Por isso, no Brasil não vamos aceitar o golpe arquitetado pela elite. A maneira que sabemos fazer é através da pressão, enchendo as ruas, colocando os trabalhadores em movimento.

Sempre fizemos assim e disso não podemos abdicar. A luta não espera pelos fracos. A história mais uma vez está em nossas mãos. Sejamos os semeadores de uma nova sociedade. Que em cada espaço de trabalho, sejamos os construtores de nossa história e os semeadores de nosso futuro.

Para tanto, esse Fórum Social não pode ser apenas um espaço das divergências de ideias, mas também um espaço de deliberações, contribuindo na formulação de diretrizes para um futuro melhor ao povo trabalhador.

Porto Alegre, 22 de janeiro de 2016.

Confederação Nacional dos(as) Metalúrgicos(as) da CUT

(Fonte: Geraldo Muzykant - Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre e Canoas)