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Reforma do ensino médio traz concepção elitista de educação e deve ampliar evasão

Publicado: 23 Setembro, 2016 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

Crédito: Jornalistas Livres
Proposta foi criticada por especialistas e nas manifestações desta quintaProposta foi criticada por especialistas e nas manifestações desta quinta
Proposta foi criticada por especialistas e nas manifestações desta quinta

O presidente golpista Michel Temer (PMDB) e o ministro da Educação, Mendonça Filho, enviaram ontem (22) ao Congresso a Medida Provisória 84, da reforma do ensino médio. A proposta elaborada às pressas pela equipe do governo, sem consultar professores, estudantes e especialistas, está sendo duramente criticada pela comunidade e também por setores do Ministério Público Federal. A MP foi publicada nesta sexta (23) em edição extra do Diário Oficial.

No início de setembro, quando foram divulgados os resultados da edição 2015 do Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb), no qual o ensino médio da rede pública não atingiu a meta estipulada de 4,3, ficando em 3,7, o ministro anunciou que haveria a reforma.

Em comum, as críticas apontam para um modelo ultrapassado que fragmenta e empobrece a formação, que traz de volta uma concepção elitista da educação e que não contempla medidas necessárias para solucionar problemas estruturais.

O coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, avaliou que o projeto é temerário. "Reúne questões perigosas, como liberar processos administrativos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para transferência de recursos, estimula parcerias público-privadas, abre espaço para a privatização e propõe um castelo de areia com a flexibilização. Como não foi dialogado, tende a ruir", disse.

Para Cara, a reforma de Temer pode vir a não ser implementada. "Pode servir apenas para bagunçar tudo, pois quer mudar o percurso do aluno, sem melhorar questões estruturais."

Contramão
A presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Andrea Gouveia, diz estar preocupada. Para ela, a proposta vai na contramão do que se discute em termos de caminhos para a melhoria do ensino médio. "Há várias possibilidades para melhorar um nível de ensino que tem o duplo desafio de ser caminho para o ensino superior e ao mesmo tempo capacitar para o mundo do trabalho. O melhor deles é melhorar a infraestrutura da escola, com laboratórios que funcionem, com internet que funcione e com professores que tenham tempo para dialogar com os alunos."

Referindo-se à fala de Temer na cerimônia, que enalteceu sua reforma como um retorno aos tempos que ele era estudante – em que se optava entre o clássico e o científico dependendo da faculdade pretendida –, Andrea destaca o viés excludente. "Da mesma maneira que antes optavam apenas os alunos da elite, que seguiriam para a faculdade, com a reforma de Temer, os filhos dos trabalhadores terão como escolha o mundo do trabalho. Nem podemos dizer que isso seja uma escolha, mas o aprofundamento da desigualdade", disse.

Destacando o caráter autoritário da reforma, por meio de medida provisória, a presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, Camila Lanes, disse que a entidade está se reunindo para analisar e debater as consequências da reforma. No entanto, adiantou que a aparente modernidade e eficiência da proposta é falsa. "À primeira vista, parece interessante, que permite ao aluno escolher o que seguir. Mas configura um modelo de ensino com 'olhar mecânico', que deverá reduzir carga horária de disciplinas fundamentais para o desenvolvimento do pensamento. Sem contar que não resolve problemas que temos hoje, como falta de merenda."

Para a secundarista, há ainda o componente excludente da reforma. "Pode haver aumento da evasão já que será estimulado o ensino em tempo integral, quando muitos estudantes precisam estudar à noite para trabalhar."

Solução pronta
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, também se manifestou. Em nota divulgada segunda-feira (19), a procuradoria afirmou ser temerária a utilização de medida provisória no tratamento de tema sensível e complexo. "As mudanças a serem implementadas em um sistema que envolve 28 redes públicas de ensino (União, Estados e Distrito Federal) e ampla rede privada precisam de estabilidade e segurança jurídica, o que o instrumento da medida provisória não pode conferir, uma vez que fica sujeito a alterações em curto espaço de tempo pelo Congresso Nacional."

Ainda segundo a nota, "por se tratar de tema que envolve milhares de instituições públicas e privadas, centenas de organizações da sociedade civil e milhões de profissionais, imaginar que um governo pode, sozinho, apresentar uma solução pronta e definitiva é uma ilusão incompatível com o regime democrático. Mais que inefetiva, a apresentação de soluções fáceis para problemas complexos é um erro perigoso."

Dirigido por Maria Alice Setúbal, o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), também criticou a reformulação. Em nota oficial, o coordenador de desenvolvimento de pesquisas da organização, Antonio Augusto Gomes Batista, afirma que a proposta pode acirrar ainda mais as desigualdades escolares. Favorável a uma flexibilização curricular nessa etapa da educação básica, o Cenpec critica a forma como a proposta é apresentada – por meio de Medida Provisória –, uma vez que “uma condição importante para o sucesso da implementação de políticas é a participação da comunidade de educadores e da sociedade em geral”.

Outra crítica, segundo Batista, é a falta de garantia de ações específicas para sanar os déficits de aprendizagem para os estudantes façam suas escolhas que geralmente são feitas conforme a sua condição social e oportunidades que tiveram ao longo da vida.

A proposta tampouco enfrenta os inúmeros desafios que precisam ser superados no Ensino Fundamental, em especial os anos finais, bem como a sua articulação e/ou continuidade entre o Ensino Fundamental e o Ensino Médio.

As desigualdades, conforme o coordenador, devem ser acentuadas com a falta de oferta de educação integral em regiões vulneráveis, onde estão alunos que, embora necessitem desse tipo de política, devem evitá-la justamente por terem de trabalhar. Estudos do próprio Cenpec e a também recente auditoria do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo demonstram que a oferta reduzida de educação em tempo integral tende a ter um efeito negativo nas escolas vizinhas de tempo regular, como, por exemplo, a superlotação.

Além disso, a proposta não cita o Ensino Médio noturno e, segundo dados do Censo Escolar de 2015, do Inep, 1,9 milhão (23,6%) de alunos estuda no período noturno. Tampouco fala na ampliação de investimentos. O valor apresentado é menor do que era repassado pelo ProEMI (Programa Ensino Médio Inovador), desenvolvido desde 2009. A Resolução Nº 31, de 22 de Julho de 2013, que dispõe sobre o repasse de recursos do PDDE Ensino Médio Inovador, já previa o investimento complementar de R$ 2,8 mil por aluno/ano para escolas com jornada escolar de sete horas. A proposta atual é de R$ 2 mil/ano.

(Fonte: Cida Oliveira - Rede Brasil Atual)