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STF retoma nesta quinta (08) julgamento que questiona reconhecimento de territórios quilombolas

Publicado: 08 Fevereiro, 2018 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

“Otimistas? Então… São centenas de anos pela luta dos nossos direitos. Sempre vem uma lei, uma proposta, uma ação, um projeto que tenta nos derrubar. Sempre. Claro que mantemos o otimismo. Precisa, né? O nosso dia a dia é um jogo de capoeira com muito gingado. E quando eu e meus companheiros não estivermos mais aqui pra lutar pelos nossos direitos, nossos filhos vão assumir e, depois, os filhos deles. Pra quem é preto, pardo, indígena e pobre, a luta é constante.” Desde 2012, Luís Rogério Machado e outras 23 famílias de ancestralidade escrava lutam pelo reconhecimento do Quilombo dos Machado. Além deles, outras 250 famílias em situação de rua ou prestes a ficar sem casa se somaram à luta.

A comunidade se formou nas imediações da Avenida Sertório, na Zona Norte, compondo a Comunidade Sete de Setembro. As casas foram erguidas ao lado do hipermercado BIG, parte da rede Walmart. Há quase seis anos, a empresa e as famílias brigam na Justiça pelo direito à terra.

Em abril de 2014, a Fundação Palmares publicou a portaria que reconhece o Quilombo dos Machado como área quilombola. No ano passado, após uma audiência na Justiça Federal, ficou acordado que tanto o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) quanto a Fundação Palmares teriam três anos para realizar um laudo antropológico que assegurasse a ancestralidade dos moradores e da área onde se instalaram. Até o momento, um mapeamento geográfico – realizado por uma equipe de voluntários da UFRGS – está parcialmente concluído.

Ao fim do processo, espera-se que seja concedida a titulação da área – prevista no artigo 68 da constituição de 1988 para territórios quilombolas e indígenas. Porém, mesmo regulamentado, esse direito só foi concedido para 220 dos mais de seis mil quilombos reconhecidos pela Fundação Palmares. Segundo Luís Rogério, isso se deve a diversas tentativas de aprovar medidas que tornem o processo mais lento e burocratizado. “Enquanto isso, ficamos sem acesso ao saneamento básico e rede elétrica”, afirma.

Em 2004, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3239 (ADI 3239/2004) foi assinada pelo antigo PFL (Partido Frente Liberal), atual DEM (Democratas), que questiona o Decreto 4.887/2003, responsável por regulamentar o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. A ação será julgada na quinta-feira (08) no Supremo Tribunal Federal (STF). Se os ministros se mostrarem favoráveis à ADI, a regulamentação das terras passará para o Legislativo sob a prerrogativa de que não cabe ao poder público desapropriar terras privadas.

Onir Araújo, da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul, argumenta que a ação não tem fundamento jurídico por desconsiderar o contexto de racismo e todas as heranças do período colonial que ainda moldam a sociedade. “O governo brasileiro tem um dívida com o povo negro e isso é um ataque seríssimo fruto da pressão de setores como o agroindustrial e a especulação imobiliária”, completa. Onir classifica como “devastadora” a situação de comunidades quilombolas, caso o STF seja favorável à ação. “Só estarão mais expostas, especialmente à violência.”

Hoje, existem em Porto Alegre seis quilombos reconhecidos, dos quais somente um é titulado; o Quilombo da Família Silva. “Mas até eles correm o risco de perder suas terras com a ação direta”. São mais de mil famílias quilombolas  no total, o que equivale a, aproximadamente, 5 mil pessoas. Onir também lembra da tese de Marco temporal, incluída na ADI. Segundo o texto, seria garantida titulação de quilombo apenas às propriedades já ocupadas em 1988, ano da Constituição. “Eles se esquecem da ditadura militar e da grande chacina que foi esse período para o povo negro”, afirma.

Três votos já foram definidos em cima da ação. Em 2012, o relator Cezar Peluso – que se aposentou no mesmo ano – votou pela inconstitucionalidade do Decreto. O segundo voto veio três anos mais tarde, da ministra Rosa Weber. Apesar de se manifestar pela manutenção do Decreto e de refutar as suspeitas do DEM quanto à auto-identificação, a magistrada endossou, em seu voto, a tese de marco temporal. Em novembro de 2017, o ministro Dias Toffoli votou pela procedência parcial da ADI, reconhecendo a tese do marco temporal.

O julgamento será retomado com o voto de Edson Fachin. A expectativa dos movimentos sociais em apoio à regularização dos territórios quilombolas  é de que a constitucionalidade do Decreto receba voto favorável. Em dezembro de 2017, Fachin mencionou o Decreto 4887 para argumentar que territórios pleiteados por quilombolas não podem ser destinados a quaisquer outros solicitantes, mesmo que também sejam movimentos sociais. A afirmação foi feita em meio a outro julgamento do STF, sobre terras pleiteadas no Amazonas.

“Mas é todo mundo parte da mesma luta. Quando um perde, todos perdem”, lembra Luís Rogério. Em Porto Alegre, uma vigília será realizada para acompanhar o julgamento do dia 08, em frente ao Tribunal Regional da 4ª Região. “O que nos dá segurança é estar no quilombo, (…) tivemos um grande progresso enquanto comunidade e isso não pode se perder”, afirma Luís.

(Fonte: Giovana Fleck, Sul 21)