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Sustentabilidade vai nortear Siemens nos próximos 30 anos

Com a habitual discrição germânica, a gigante de infraestrutura e tecnologia Siemens vem realizando a maior reestruturação operacional da sua história

Publicado: 30 Setembro, 2009 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

Em menos de uma década, o conglomerado disparou da sede em Munique a venda de divisões inteiras que não lhe interessavam mais. A telefonia móvel foi uma das primeiras a cair. Ao mesmo tempo, firmou joint ventures e realizou dezenas de aquisições em segmentos que passaram a ser encarados como estratégicos para a sobrevivência da empresa.

A reviravolta pegou colaboradores de surpresa e causou alvoroço no mercado. Modificações desse porte, afinal, mexem com a cultura centenária da empresa. Mas a razão por trás de tamanha reorganização é simples: a Siemens decidiu fechar o foco sobre produtos que respondam ao que ela chama de necessidades essenciais da humanidade no futuro.

"Estamos nos reorientando hoje, dentro de uma nova visão, para manter a liderança mundial daqui a 30 anos", afirma Adilson Primo, presidente da Siemens Brasil. "Concluímos que deveríamos concentrar nossas atividades. Sair de algumas áreas que não deveriam ser core business". Nesse contexto, a expressão "green business" nunca foi tão lembrada dentro da empresa alemã.

Com faturamento de 77 bilhões de euros em 2008 e um portfólio de mais de 200 mil produtos (que vão de equipamentos de raio X e trens de alta velocidade a turbinas, lâmpadas e tomadas), a empresa deu início ao processo de reestruturação agrupando seus negócios em três grandes áreas - energia, infraestrutura e saúde.

O ponto de partida foi a conclusão de um relatório encomendado pela Siemens, em 2003, para delinear as "megatendências" do mundo no espaço de 30 anos. Quatro constatações voltaram à empresa e foram determinantes para a guinada que se seguiu: mudanças demográficas, urbanização, globalização e mudanças no clima são processos inexoráveis e que vão afetar diretamente a forma como vivemos.

As megacidades, termo empregado para definir aglomerações urbanas com mais de 10 milhões de habitantes, explodirão. Mercados hoje menos importantes entrarão no eixo comercial. Fontes de energia alternativas serão obrigatórias para atender ao crescimento da demanda mundial, assim como a detecção prévia e rápida de doenças em sociedades cada vez mais velhas.

"Serão tempos desafiadores para as empresas, mas com soluções tecnológicas possíveis", atestou em seu mais recente relatório a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês).

A Siemens sabe - e os seus concorrentes também - que as respostas a essas questões são a chave para o futuro. Fortunas serão feitas nos próximos anos somente com tecnologias limpas. Segundo estimativas do HSBC, a receita oriunda de atividades relacionadas às mudanças climáticas das empresas listadas em bolsa atingiram US$ 530 bilhões no ano passado. Só isso já coloca essa nova indústria cabeça a cabeça com setores tradicionais como o de defesa e espacial. E os investimentos só tendem a aumentar.

"Para eu ser um player lá na frente como eu sou hoje, preciso entender quais são essas tendências", afirma Primo. "O que vai moldar o mercado em 2040? Que demandas elas vão gerar? E como me posicionar no meu portfólio para atender mercados que serão importantíssimos no futuro? Estamos vendo isso como efetivamente um business".

Diante desse cenário, o conglomerado alemão tomou a decisão de livrar-se do que não estivesse diretamente ligado a essas demandas e fincar pé no estritamente essencial. "Senão ficamos com um leque tão aberto que não se consegue eficiência em tudo", diz o executivo brasileiro.

Em cinco anos, a Siemens mudou mais que nos 160 anos de sua existência. Uma das mais importantes mudanças foi a venda de seu braço de telefonia móvel para a tailandesa BenQ, em 2006. Também se desfez da Wireless Modules (WM), de equipamentos de transmissão de dados em rede sem fio, para a Cinterion, e da Siemens VDO, voltada ao setor automotivo, agora Continental.

"Reorientamos o portfólio para não atacar mercados que não dão o retorno desejado ou são pequenos e pulverizados", diz Primo. "E o nosso negócio é infraestrutura de telecomunicações [telefonia fixa]". Assim, a Siemens optou pela joint venture com a Nokia, seguindo o processo de consolidação mundo afora de operadores e fabricantes.

Ao mesmo tempo, comprou empresas de diagnósticos médicos (Dade Behring, Bayer Diagnostics e Diagnostic Products), saneamento (US Filter) e energia renovável (a italiana Archimede e a dinamarquesa Bônus), entre outras. No Brasil, os destaques foram a aquisição da Chemtech, Intech Turbocare e Iriel. Foram nada menos que 89 aquisições no período de 2004 e 2009, totalizando cerca de 30 bilhões de euros.

"Nós tínhamos gaps nos três setores - energia, infraestrutura e saúde. Então fizemos uma ampla avaliação do que precisávamos", explica Primo. "Na área médica éramos líderes nos diagnósticos in vivo, que são os nossos tomógrafos, ressonâncias magnéticas e ultrassonografias. Com a reorientação adquirimos as três grandes empresas mundiais de diagnóstico in vitro, as dos aparelhos de exame de sangue, de urina e reagentes. Esse foi um passo gigantesco do ponto de vista estratégico dessa área. E em energia renovável, tínhamos eólica e solar? Não. Então compramos empresas.

Poderíamos desenvolver a tecnologia, mas demoraria muito. Há seis anos, não tínhamos uma turbina eólica. Hoje somos líderes no mercado offshore e terceiro no onshore".

Confiante no sucesso desse novo caminho, o executivo brasileiro explica que o porfólio "verde" da empresa é hoje o maior do mundo - superior ao da americana General Electric (GE), diz ele, que ganhou os holofotes com o seu programa Ecomagination, lançado em 2005 e que fechou no ano passado com US$ 17 bilhões (11,6 bilhões de euros). No mesmo período, a área "verde" da Siemens representou 19 bilhões de euros do faturamento de 77 bilhões de euros.

São 65 famílias de todos os setores, resultando em centenas de produtos desde turbinas eólicas a soluções para tratamento de água. Até 2011, o grupo pretende elevar a sua participação para 25% de sua receita global. "A sustentabilidade é para nós um negócio e nós queremos a liderança", afirma Primo, falando sobre as metas mundiais da empresa.

Assim como na concorrência, o segmento é o que cresce com mais força dentro da empresa, sinalizando a corrida para os novos tempos. Das 60 mil patentes ativas do grupo, por exemplo, 14 mil são consideradas "verdes", segundo critérios adotados e analisados pela consultoria PricewaterhouseCoopers, contratada para auxiliar a Siemens no processo de reorganização.

Os programas de estímulo governamental - na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil - devem servir como um incentivo a esse novo filão. A Siemens calcula que será possível abocanhar aproximadamente 15 bilhões de euros entre 2010 e 2012 com as iniciativas públicas nesses países. E as tecnologias verdes devem representar 40% desse volume.

Muito dessa reviravolta está associada também à chegada do austríaco Peter Löscher ao comando do grupo, dois anos atrás. Ex-General Electric, o principal executivo conseguiu remontar o gigante despedaçado pelo maior escândalo de corrução da sua história. Nos corredores da empresa, no entanto, alguns críticos o acusam de ter "General Electrified" a Siemens - um trocadilho óbvio com a principal concorrente, conhecida por sua agressividade de ação e marketing. Entre as reclamações citadas está a de que Lörscher teria afastado o conglomerado alemão de seus valores tradicionais.

Ao contrário, diz ele. "A Siemens conseguiu finalmente sair da sombra de seu rival americano", devolveu Lörscher, em entrevista ao jornal britânico "Financial Times". "Tivemos a sorte de utilizar a crise interna [o escândalo de corrupção] para nos preparar para tempos sombrios [a crise econômica mundial]".

Com 480 mil funcionários e presente em 197 países, a Siemens conseguiu enfrentar a última crise financeira global relativamente melhor que outras companhias do mesmo porte, apesar da desaceleração da receita registrada nos últimos meses.

Da sede em Munique, a orientação é manter um olho no presente e outro no futuro, preferencialmente sustentável. Adilson Primo escutou bem o novo chefe. "Vemos a sustentabilidade como um business", repete ele, ao final de quase duas horas de entrevista. "Inclusive queremos ser marqueteiros em cima disso".

Setor elétrico é a maior aposta do grupo alemão no Brasil

Preparada para crescer anualmente no segmento "verde", a Siemens vê no Brasil grande potencial para expandir seus negócios nos próximos anos. Grande parte dessa expectativa se deve ao fato de o país já pender "naturalmente" para isso, sobretudo no setor energético. Líder mundial em energia hidrelétrica, o país deverá consolidar sua matriz energética limpa com avanços nas gerações eólica e na cogeração com bagaço de cana e outros resíduos da agroindústria.

"Já tínhamos um portfólio verde no Brasil antes da reorientação mundial porque essa é a nossa vocação", diz Adilson Primo, presidente da Siemens Brasil.

Segundo o executivo, o portfólio "verde" da empresa no país representa cerca de 20% a 25% do total. Percentualmente, é maior que o do grupo. Com o Programa para Aceleração do Crescimento (PAC), os negócios nesse segmento poderão crescer mais, uma vez que quase todos os projetos tem um conteúdo "green".

"Peguemos [a hidrelétrica de] Jirau, em Rondônia: estamos falando de energia renovável e de transmissão de corrente contínua onde temos uma tecnologia específica, com menos descargas na atmosfera", diz o executivo.

A grande expectativa do grupo, no entanto, está no setor eólico. A Siemens Brasil aguarda os resultados do primeiro leilão de energia eólica, que ocorrerá em novembro, para tomar uma decisão: levantar seu primeiro parque industrial eólico no país, no caso de um resultado positivo.

"Estamos estudando montar uma fábrica de energia eólica. Estamos analisando quais componentes - pás, gerador ou a engrenagem - poderíamos fazer com níveis de nacionalização que seriam incrementados ao longo do tempo. Mas é preciso ter certa previsibilidade para se tomar uma decisão dessas", diz Adilson Primo, presidente da Siemens Brasil. "Até agora sabemos só que teremos leilão, que consideramos muito importante porque vai conceder mil megawatts para os investidores. Mas será exitoso? O último leilão foi um fiasco. Achávamos que teria uma série de investidores. E foi deserto."

Outra aposta do grupo está no setor de cogeração com bagaço de cana-de-açúcar. A estratégia da empresa é realizar parcerias tecnológicas com universidades, institutos de pesquisa e empresas locais para desenvolver soluções específicas para esse mercado. Uma das parcerias de mais sucesso tem sido com a indústria de base Dedini, de Piracicaba (SP), para o processo de automação das usinas de açúcar e álcool.

"Estamos aliados à política mundial e aproveitamos o que emana da matriz, todas as soluções criadas no conglomerado. Mas buscamos o desenvolvimento de nichos onde o Brasil vai dominar a tecnologia nos próximos anos", diz o executivo brasileiro.

Para ele, o Brasil deveria privilegiar os segmentos econômicos que o diferenciam dos demais países. O grande filão será nas energias eólica e de cogeração. A energia solar, no entanto, deslancharia apenas em um segundo momento. "Mas isso vai ter de ser subsidiado", diz Primo.

"O Brasil tem vocação para certas coisas e acho que é isso o que o país devia fazer: focar. O país não tem recursos para tudo, portanto deveria fechar o leque. Deveria saber quais são as suas vocações e investir pesado nelas."

De acordo com Primo, o braço brasileiro da Siemens tem investido continuamente no país, ao longo dos últimos dez anos, em torno de R$ 120 a R$ 140 milhões por ano. "Isso é muito mais do que a média das empresas nacionais. A Siemens mundial investe quase 4 bilhões de euros por ano. Eu não sei se o Brasil investe isso".

O grande problema, acrescenta o executivo, continua sendo a falta de uma cultura de inovação. "O Brasil é um país que inova pouco. As empresas brasileiras não têm o DNA da inovação e essa é a grande vantagem de um país como a Alemanha", diz o executivo. "A Alemanha não tem recursos naturais, é um país desse tamanho e, no entanto, é o maior exportador mundial. E o que ela exporta? Ideias."

Fonte: Valor