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Trump esvazia tribunal e ameaça desestabilizar a OMC

Publicado: 09 Outubro, 2017 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

Os Estados Unidos, sob a administração de Donald Trump, estão bloqueando a nomeação de novos juízes do Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC), contra a posição dos outros países. Na prática, isso fragiliza esse tribunal superior do comércio global, que já resolveu 500 disputas e evitou guerras comerciais nos últimos 20 anos.

"É uma situação grave porque, se esse impasse não for superado, trará sérios impactos sistêmicos'', disse ao Valor o diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo.
O Órgão de Apelação é formado por sete juízes. Mas, até o fim do ano, terá apenas quatro. E pode ser menos, já que um ou outro juiz pode incorrer em conflito de interesse em determinada disputa, por ter atuado no tema no passado como funcionário governamental ou advogado.

Isso significa que a partir de janeiro de 2018 o órgão pode ser paralisado totalmente na solução dos conflitos comerciais. Ainda mais que os EUA passaram a recusar que juízes que terminaram o mandato continuem atuando em disputa na qual estavam trabalhando até o caso ser encerrado.

O Orgão de Apelação é conhecido com a "joia da coroa" da OMC, pela capacidade de impor sanções aos países membros que não respeitarem as regras internacionais.

Mas alguns negociadores avaliam que o mecanismo com só três juízes não será mais juridicamente válido. Ele foi criado com sete juízes por conta da representativa geográfica e tradições jurídicas.

''Como manter um sistema baseado em regras sem o garantidor dessas regras?'', questiona um importante negociador.

Azevêdo deve voltar a discutir o bloqueio americano com o principal negociador comercial de Trump, Robert Lighthizer, na semana que vem em Washington.

Os EUA nunca se sentiram confortáveis com esse tribunal internacional no qual o país não tem poder de veto, embora seja quem mais utiliza o sistema, inclusive ganhando a maioria dos casos. Isso ilustra a dificuldade de entender a posição americana, diz um negociador. Governos americanos anteriores reclamavam que o Órgão de Apelação era "ativista" demais, com interpretações dos acordos da OMC que resultavam na criação de novas regras que os EUA dizem nunca terem negociadas.

A insatisfação americana cresceu à medida que o país sofreu sucessivas derrotas por causa de suas investigações antidumping para impor sobretaxas contra produtos estrangeiros com preço considerado deslealmente baixo, principalmente originários da China.

No ano passado, os EUA chegaram a vetar a renovação do mandato do juiz Soung Wha Chang, da Coreia do Sul, que tomou decisões desfavoráveis aos americanos. Foi inútil a forte resistência de outros países, incluindo o Brasil, que alegavam que a independência do mecanismo estava em jogo.

A situação piorou este ano com o governo Trump coincidindo com o fim de mandatos de juízes. A vaga da América Latina ficou aberta em julho, com o fim do mandato do mexicano Ricardo Ramirez. Em agosto, o sul-coreano Kim Hyun-chong pediu demissão para se tornar ministro de Comércio de seu país. E, em dezembro, será a vez da vaga europeia, com o fim do mandato do belga Peter van den Bossche. No ano que vem, mais uma vaga será aberta no órgão.

O Brasil tem candidato para a vaga latino-americana: o embaixador José Alfredo Graça Lima. Mas nem ele nem os outros cinco candidatos da região podem fazer campanha efetiva porque o processo de seleção não foi lançado até agora. Na semana passada, os países da região pela quinta vez apresentaram proposta para resolver a situação atual, para que a seleção de três novos juízes seja lançada imediatamente. Os EUA, porém, mostraram-se irredutíveis.

O governo Trump alega não estar em posição de apoiar o inicio do processo de seleção até que suas preocupações sejam resolvidas. O problema é que Washington não detalha que preocupações são essas nem que propostas concretas teria para discutuir com os outros membros.

Nessa toada, os parceiros começam a temer o pior. Em discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, Trump foi incisivo: "Por muito tempo, foi dito ao povo americano que mega-acordos comerciais multinacionais, tribunais internacionais que não respondem a ninguém e poderosas burocracias globais eram a melhor maneira de promover o seu sucesso. Mas à medida que essas promessas fluíam, milhões de empregos sumiram e milhares de fábricas desapareceram. Outros jogaram com o sistema e quebraram as regras, e nossa grande classe média, que foi a base da prosperidade americana, foi esquecida e deixada para trás. Mas eles não são e nunca mais serão esquecidos”.

Na OMC, a delegação americana passou a usar minúcias regimentais vistas como uma sinalização do que pode estar para vir. Nos debates sobre duas disputas - do Brasil contra o Canadá sobre jatos regionais, e da União Europeia contra Indonésia, num caso de dumping - os EUA defenderam que deveria normalmente ser usada a regra do "consenso positivo”.

Essa regra, que existiu e foi uma fragilidade do antigo Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), permitia que um país bloqueasse sozinho decisões sobre disputas comerciais. Esse foi um dos motivos para criar a OMC com "dentes", ou seja, com poder de sanção.

Alguns negociadores ressalvam que os EUA não disserem explicitamente que querem mudar a regra do "consenso negativo", que vigora hoje. Por ela, para rejeitar uma decisão dos juízes da OMC é preciso o apoio de todos os paises-membros, o que é quase impossível.

Outros notam que o governo Trump acha que pode resolver unilateralmente suas disputas, por meio de seu arsenal interno de leis comerciais, como a Seção Super 301, e mostra que está pronto a "chutar o pau da barraca".

"Até agora, seus latidos [de Trump] tem sido piores que suas mordidas, mas é o caso de se inquietar", afirmou Anne Krueger, ex-economista-chefe do Banco Mundial e ex-número 2 do FMI.

John Danilovich, secretário-geral da influente Camara de Comércio Internacional (ICC) e ex-embaixador americano no Brasil, voltou de dez dias de visita nos EUA e disse: "O que eu percebi lá não me parece muito bom".

Com dificuldades de negociar acordos de liberalização e agora com o risco de não ter seu mecanismo de disputas funcionando normalmente, a OMC pode ver sua crise existencial ampliada.

(Fonte: Valor Econômico)