MENU

Vaticano discute mundo do trabalho; CUT denuncia retrocessos no Brasil

Publicado: 24 Novembro, 2017 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

Crédito: Divulgação
Carmen Foro fala sobre a situação dos trabalhadores brasileirosCarmen Foro fala sobre a situação dos trabalhadores brasileiros
Carmen Foro fala sobre a situação dos trabalhadores brasileiros

Intercâmbio de informações a respeito das diferentes realidades enfrentadas pelos trabalhadores em todo o mundo e busca de uma agenda internacional de ações solidárias para enfrentar os desafios deste início de século. Foram esses alguns dos objetivos de um encontro promovido esta semana pelo Dicastério (espécie de departamento) para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano. A reunião tem a participação de delegações sindicais de mais de 40 países e será encerrada nesta sexta-feira (24), com presença do papa Francisco.

A vice-presidenta nacional da CUT, a trabalhadora rural Carmen Foro, denunciou a onda de ataques a direitos promovida em ritmo alarmante no Brasil desde o golpe de 2016. “A realidade dos trabalhadores brasileiros hoje é grave, de retrocesso absoluto de tudo o que conquistamos. Há aceitação do trabalho escravo pelo governo. Há destruição do Estado, das leis do trabalho, a tentativa de reformas que retiram um conjunto de direitos”, afirmou Carmen, em, entrevista à Rádio Vaticano.

“E o mais grave é que a população pobre, negros, jovens, mulheres, estão sendo os mais afetados. Estamos aqui porque sentimos que é preciso somar desejos de mudanças, que o nosso coração continue cheio de vontade de transformar a realidade social de meu país e do mundo todo”, reforçou a sindicalista.

O cardeal Peter Turkson, organizador do encontro, observou que a evolução tecnológica das últimas décadas não tem produzido ganhos compartilhados com os trabalhadores na forma da criação de mais empregos e melhores condições de trabalho, também apontando para o risco de retrocessos: “O fato de que a tecnologia subtraia trabalho ao ser humano é um desafio para o mundo moderno. O risco é que homens e mulheres façam um trabalho escravizado”.

Carmen ponderou que o progresso tecnológico trouxe avanços para a qualidade de vida da humanidade, mas que "apropriação dos seus benefícios sempre foi desigual".

A dirigente da CUT citou ainda argumento do papa Francisco sobre o uso da política e da economia a serviço da vida. E ressaltou o desempenho do papa na condição de estadista em sua defesa global dos movimentos sociais como meios de enfrentar as desigualdades. “Francisco é um ícone na história do mundo e será um parceiro fundamental do movimento sindical internacional e das organizações sindicais, porque sua palavra tem alcance profundo e porque a Igreja católica pode e muito contribuir com o processo de transformação que o mundo precisa neste momento.”

Segundo ela, no Brasil, a classe trabalhadora e a população mais pobre convivem hoje com uma agenda de ataques não só aos direitos trabalhistas, mas também às políticas públicas de responsabilidade do Estado nas áreas de moradia, saúde e educação. Carmen lembrou as leis recentemente criadas para facilitar a venda de terras a grupos estrangeiros e permitir a privatização da água, da produção agrícola, dos recursos naturais como o pré-sal e do engessamento por 20 anos dos recursos para políticas sociais – “todas medidas tomadas pelos golpistas que usurparam a Presidência da República no ano passado”.

Leia a seguir a íntegra do discurso de Carmen Foto no encontro:

Sua Eminência Cardeal Peter Turkson, Prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral

Companheiros Sindicalistas,

Em 1891 o Papa Leão XIII publicou a encíclica Rerum Novarum (“Das Coisas Novas”) e abordou a questão da classe trabalhadora e os sindicatos.

Disse o Papa: “A sede de inovações, que há muito tempo se apoderou das sociedades e as tem numa agitação febril, devia, tarde ou cedo, envolver toda a sociedade (...) os progressos incessantes da indústria (...) a alteração das relações entre os operários e os patrões, a influência da riqueza nas mãos de um pequeno número ao lado da indigência da multidão (...) sem falar da corrupção dos costumes, deu resultado final um temível conflito”.

E acrescentou “... pouco a pouco, os trabalhadores, isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça duma concorrência desenfreada. A usura voraz veio agravar ainda mais o mal. (...). A tudo isto deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papéis de crédito, que se tornaram o quinhão dum pequeno número de ricos e de opulentos, que impõem assim um jugo quase servil à imensa multidão dos proletários”.

Passado mais de de século, quem lê pode pensar que o Papa está analisando a situação atual dos trabalhadores e das trabalhadoras do Brasil e do mundo.

Se é verdade que o progresso tecnológico trouxe mais empregos, progressos científicos, em especial na medicina que melhoraram a qualidade de vida da humanidade, também é verdade que a apropriação dos seus benefícios sempre foi desigual.

Só com muita pressão, negociação e muitas lutas – que inclusive custou a vida de milhares de trabalhadores e trabalhadoras – podemos dizer que ainda hoje apenas uma pequena parcela dos que estão organizados consegue usufruir de uma pequena parte desse progresso.

A globalização tecnocrática vem se dando sob a égide do mercado que busca a maximização dos lucros a qualquer preço, da concentração de renda, da retirada dos direitos dos trabalhadores/as em todo o mundo, da exploração irracional do meio ambiente e dos recursos naturais, condenando milhões de trabalhadores/as ao desemprego, a fome e a miséria tanto nos centros urbanos quanto nas áreas rurais.

Para esse mercado invisível, a globalização tecnológica só serve para aumentar os lucros já obscenos das grandes corporações e poder movimentá-los por meio dos paraísos fiscais, sem pagar os devidos impostos aos países, que poderiam ser revertidos em benefícios para toda sociedade.

No Brasil, orientados por essa sanha do mercado ultra neoliberal, se produziu um golpe parlamentar com apoio da mídia e de parte do judiciário, que derrubou uma presidenta legitimamente eleita, para implantar uma agenda que está acabando com os programas sociais, da reforma agrária e apoio a agricultura familiar, com a legislação de proteção aos trabalhadores/as e de combate ao trabalho escravo.

Aprovam leis que facilitam venda de terras a grupos estrangeiros e permitem a privatização da água e a produção agrícola a essas corporações transnacionais, sem falar dos recursos minerais abundantes em nosso país.

Com a privatização da exploração do petróleo localizado no pré-sal (grandes profundidades) bilhões de dólares oriundos dos royalties que seriam destinados para a educação (75%) e saúde (25%) vão desaparecer, ao mesmo tempo as empresas compradoras serão beneficiadas com bilhões de dólares em isenção fiscal.

Não satisfeitos, congelaram os investimentos do Estado em educação e saúde por 20 anos e querem acabar com a aposentadoria.

Retrocedemos quase 100 anos. Falta apenas revogação da Lei Àurea, que aboliu a escravidão no país em 1888!

Como bem constatou o Papa Francisco na Encíclica “Laudato Si” (“Louvado Sejas”):

“O paradigma tecnocrático tende a exercer o seu domínio também sobre a economia e a política. A economia assume todo o desenvolvimento tecnológico em função do lucro, sem prestar atenção a eventuais consequências negativas para o ser humano. Não se aprendeu a lição da crise financeira mundial...”.

Essa política tem a sua disposição um grande aparato midiático que tenta a todo custo convencer os cidadãos – algumas vezes com sucesso – de que o mercado, o simples crescimento econômico e as iniciativas individuais vão resolver os problemas da pobreza, da miséria e do meio ambiente.

É uma luta desigual, mas é preciso enfrentá-la para desmascarar o engodo que ela significa na prática.

“A política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia. (...) hoje precisamos imperiosamente que a política e a economia, em diálogo, se coloquem decididamente a serviço da vida, especialmente da vida humana. ” Afirma ainda o Papa Francisco.

O movimento sindical do Brasil, e creio que do mundo, concorda totalmente com Sua Santidade.

Acreditamos que um outro mundo é possível e que é capaz de proporcionar desenvolvimento sustentável, crescimento econômico, com distribuição de renda, inclusão e justiça social. Por um breve período de 13 anos pudemos experimentar e comprovar isso no Brasil.

Aos trabalhadores/as não interessa lutar contra o avanço tecnológico e sua incorporação na produção e no cotidiano. Mas garantir que o avanço tecnológico se reverta em benefício dos trabalhadores/as e da sociedade, não apenas do dono da máquina ou da invenção.

Para isso, gostaria de sugerir quatro pontos centrais para pensar o futuro do trabalho no mundo da globalização e do paradigma tecnocrático:

Primeiro, é preciso um grande investimento em educação, formação e conscientização para capacitar os trabalhadores para essa nova era. Os trabalhadores devem ser capazes de realizar as tarefas propriamente humanas e que não podem ser realizadas por uma máquina ou computador. As máquinas ficam obsoletas, mas não podemos admitir a obsolescência humana.

Segundo, os estados precisam ter políticas e programas voltados para incluir os trabalhadores que perderam seus postos de trabalho por causa do  avanço tecnológico. A introdução de novas tecnologias não pode se dar ao custo do desemprego de milhares de homens e mulheres atingidos pelas inovações. Isso significa que a adoção de novas formas de produção não pode ser feita à revelia dos sindicatos e das comunidades que serão impactadas pelas mudanças. Para isso é preciso construir amplos processos de negociação e diálogo que levem ao bem comum e onde a sociedade sinta-se representada. As inovações devem contribuir para a melhoria dos empregos, das condições de vida e da construção de um novo ser humano.

Terceiro, precisamos garantir que a os benefícios da introdução de novas tecnologias não alimentem a desigualdade e a concentração de riqueza. O conhecimento atual não é obra apenas individual, mas social, fruto de milhares de anos de conhecimento acumulado da humanidade. A globalização tecnológica deve ser inclusiva e abrir novas perspectivas para os trabalhadores.

Quarto, é necessário um amplo diálogo entre o movimento sindical, para, juntamente com os movimentos sociais, comunitários e religiosos, comprometidos com essa proposta de desenvolvimento sustentável, inclusivo e solidário construirmos propostas globais, regionais, nacionais e locais que possam contribuir na conscientização e a mobilização necessária da maioria dos cidadãos que com muito trabalho e suor constroem verdadeiramente a riqueza das nações. Esse esforço conjunto é ainda mais necessário se levarmos em conta que aqueles que defendem o atual modelo excludente e impiedoso de exploração do meio ambiente, dos recursos naturais e dos trabalhadores/as, detém não apenas muito capital, como também os meios de comunicação com os quais procuram enganar a maioria da população.

Acredito que a Igreja Católica pode dar uma grande ajuda através de sua ampla rede espalhada em todos os países, contribuindo nesse processo de conscientização, mobilização, pressão e lutas que serão necessárias para a construção de um novo mundo com igualdade, justiça e inclusão social.

(Fonte: Rede Brasil Atual, com informações da CUT Nacional)

CUT