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Agravada pela desigualdade, covid-19 faz mais 713 vítimas em 24 horas no Brasil

Com mais de 152 mil mortos, Brasil mantém condições sociais, econômicas e políticas que favorecem o contágio e são analisadas por cientistas da Fiocruz

Publicado: 15 Outubro, 2020 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

Crédito: Roberto Parizotti (Sapão)
Coronavírus no BrasilCoronavírus no Brasil
Coronavírus no Brasil

A covid-19 já provocou a morte de 152.460 pessoas no Brasil desde o início da pandemia, em março, já somadas novas 713 mortes registradas hoje (15). Em número de novos casos, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), informa que, no mesmo período, foram oficialmente notificadas 28.523 novas infecções. Considerado por autoridades sanitárias de todo o mundo o “pior cenário” no combate ao novo coronavírus, as condições que levam o país a manter-se há meses entre os primeiros em números de mortes e casos chama a atenção de cientistas.

“Antes, Durante e Depois da Pandemia: Que país é esse?” é o nome de uma recente publicação da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em suas páginas, pesquisadores analisam o comportamento de diferentes doenças no Brasil – incluindo aquelas que se relacionam com a covid-19 ao provocar outras morbidades – e os impactos presentes e futuros da maior pandemia do mundo em mais de um século.

Uma das contestações que chamam a atenção é a realidade mortal da covid-19. Ao contrário do que disse, em diferentes ocasiões, o presidente, Jair Bolsonaro, não se trata de “apenas uma gripezinha”. Da forma como a pandemia avança pelo Brasil, o vírus será a maior causa de morte no ano, superando doenças cardiovasculares e cânceres que, historicamente, sempre foram os males mais letais, juntamente com mortes violentas e acidentes de trânsito.

“O que mudou agora é que você vai ter uma doença infecciosa nas primeiras posições do ranking de mortalidade, mas isso é uma coisa temporária, um recorte no tempo. Vai depender do tempo de infecção, mas quando isso for resolvido, seja por uma vacina extremamente eficaz ou que diminua a propagação da doença, consequentemente vai haver uma diminuição de mortalidade”, afirma o pesquisador da ENSP, especialista em estatística e demografia Iuri Leite.

Mortalidade

Por ser um país brutalmente desigual, a covid-19 tende a mostrar-se ainda mais letal. O médico epidemiologista da Fiocruz/Bahia Maurício Barreto explica que “condições sociais preocupantes” são determinantes para a mortalidade de uma doença contagiosa como a covid-19. ” De um modo geral, a covid-19 encontrou um país com nível médio de desenvolvimento em termos de padrões de saúde, mas com algumas condições sociais preocupantes.”

Moradias precárias com grande número de pessoas em moradias pequenas e sem saneamento ajudam a entender como a covid-19 se manifesta de formas distintas entre diferentes substratos sociais. Mapeamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) feito entre março e junho, no Rio de Janeiro, revela que em áreas de favelas morreu mais do que o dobro de pessoas do que em áreas “nobres”.

O fato se repete em São Paulo, como apontado pela RBA e também em outras cidades. Não à toa também que Manaus foi uma das cidades mais impactadas pela pandemia. A capital amazonense possui 53% de sua população morando em favelas sem saneamento básico, a taxa mais alta entre as capitais. “Em lugares onde você tem uma aglomeração muito grande, onde já existe uma pobreza estrutural arraigada, esse tipo de epidemia vai matar jovens e idosos”, explica o pesquisador da Fiocruz Amazônia Jesem Orellana.

Futuro

Os pesquisadores que participam da publicação concordam com um certo “consenso” da comunidade científica: esta não será a última pandemia. Dados sobre a covid-19 dão conta de que a expectativa de vida no mundo pode cair, o IDH será reduzido, a mortalidade infantil aumentou pela dificuldade no acesso aos aparelhos médicos, entre outros problemas.

O acesso à água e a um saneamento básico universal se tornam basilares no enfrentamento de ameaças pandêmicas. “Como a limpeza das mãos, a higiene pessoal e mesmo o saneamento domiciliar passaram a ser elementos de centralidade por ser uma barreira sanitária, o debate acerca do direito humano à água passou a ter uma importância ainda maior no país. A covid-19 mostrou que esse fornecimento precisa ser contínuo e alcançar toda a população, em todas as esferas da vida, incluindo-se, por exemplo, os moradores de rua”, alerta engenheiro sanitarista e professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), da Fiocruz, Alexandre Pessoa.

Desigualdade é morte

Com o marco do saneamento sancionado neste ano, o país abriu as portas para maior privatização de serviços essenciais de água e esgoto. O receio dos cientistas é de aprofundamento das desigualdades e, consecutivamente, da mortalidade em casos extremos. “Existe uma preocupação de que os territórios mais vulnerabilizados, aqueles que têm inclusive os piores indicadores de morbimortalidade, não sejam priorizados nos projetos de engenharia e ampliação do sistema de saneamento. O risco é de se obedecer a uma lógica de rentabilidade, que poderia sacrificar municípios e regiões mais pobres das metrópoles e do interior”, completa Pessoa.

Por fim, o cientista defende que “o critério da saúde pública precisa prevalecer sobre o critério do lucro”.

O epidemiologista Jesem reafirma a necessidade de valorização da vida em detrimento do lucro de poucos. Até porque uma economia saudável é feita por pessoas ativas. “Eu não tenho dúvidas de que, ao trazer esse desequilíbrio em termos de distribuição de renda e emprego, que já não era boa no Brasil, a pandemia de Covid-19 vai trazer desafios ainda maiores e nos puxar para alguns anos atrás em termos de índice de desenvolvimento humano, mortalidade infantil e outros indicadores mais sensíveis às condições socioeconômicas, como, por exemplo, a segurança alimentar.”

*matéria publicada no site da RBA