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Associação Sorocaba Futebol de Amputados traz histórias de superação

No Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência, três atletas da entidade contam suas jornadas; com pouco tempo de atuação time já conquistou o Campeonato Paulista de Futebol de Amputados Série B

Publicado: 21 Setembro, 2020 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

Crédito: Débora Detez
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Não é todo dia que alguém pode se gabar em dizer que fez história. Viviane Nascimento Antunes, de 35 anos, viveu esse momento. Foi dela o primeiro gol, no Brasil, marcado por uma mulher num campeonato oficial da Associação Brasileira de Deficientes Físicos (ABDF).

Vivi joga no time Sorocaba Futebol de Amputados e o feito aconteceu em maio do ano passado. O jogo era contra o São Caetano pelo Campeonato Paulista de Futebol de Amputados. “Faltando uns 25, 20 minutos para terminar a partida, o professor Paulo olhou para mim e falou: e ai, agora é a hora, está disposta? Eu respondi: lógico que não. Estava tremendo”.

Mas ela superou o medo e entrou em campo. “Olhei para arquibancada e as pessoas estavam apoiando. Quando recebi a primeira bola, tentei fazer um gol de letra, a abusada. Mas não consegui”, lembra aos risos. “Daí, recebi a segunda bola e foi só empurrar para o gol”.

Gol feito, era só alegria. “Vieram todos eles do time e me abraçaram. Quando acabou a partida, o professor me perguntou qual era a sensação de fazer história e eu, nossa... demorou para a ficha cair”.

Uma conquista e tanto para quem passou por momentos difíceis. Vivi sofreu um acidente de moto em 2016 quando voltava do trabalho. “Foi um acidente bobo”, lembra a jovem, “eu estava a 20 km por hora, colocando o pezinho no chão para atravessar uma via na Avenida Ipanema e um rapaz bateu de frente comigo, sem chance de eu tirar a moto ou coisa do tipo”.

No primeiro momento, ela achou que tinha apenas quebrado a perna esquerda. Por 45 dias, internada, os médicos tentaram salvar o membro atingido. “Depois de um tempo de tratamento, o pé parou de responder. Era só sofrimento mesmo”.

Vivi, então, tinha que decidir o que fazer. “Eu tinha duas opções. Eu poderia ficar com a perna, mas seria só aparência e dependeria de muleta para o resto da vida. Ou, com a amputação, o ortopedista garantiu que, em seis meses, eu estaria andando com uma perna mecânica”.

A motivação que faltava para decidir veio justamente do esporte. “Estava passando a Paralimpíadas e quando vi, deitada no leito do hospital, aquelas pessoas nadando, correndo e fazendo tudo com bem menos do que eu, pensei: não vou ficar presa numa cama deixando a vida passar simplesmente por causa de aparência”.

E com o apoio da companheira, ela decidiu pela amputação. “Eu fiz a cirurgia e, quando levantei o lençol, foi a melhor sensação do mundo ver que eu estava sem perna, sem dor e que uma nova vida se iniciava ali”.

Associação Sorocaba Futebol de Amputados

Adilson Nunes de Souza, o Dinho, de 51 anos, também perdeu parte da perna esquerda num acidente de moto. Na época, ele tinha 36 anos. “Toda mudança é difícil, mas eu precisava continuar a vida. Tinha um filho de seis meses e não podia me dar ao luxo de parar de trabalhar”.

Ele explica que não passou por problemas como depressão após a amputação. Por outro lado, acabou tendo dificuldades físicas. “Na época, parei com as atividades físicas e subi no peso. E um belo dia, há mais ou menos quatro anos, eu vi que estava com dificuldade até de locomoção”.

Era preciso, a partir daí, procurar uma atividade que auxiliasse no condicionamento físico. Foi quando ele conheceu a modalidade futebol de amputados, que, em 2018, estava começando em Sorocaba. “Era bem início, tinha sido feito um torneio, mas ainda não tinha estatuto, uniforme próprio”.

Com a experiência de empresário e sindicalista, Dinho ajudou a organizar a entidade que viria ser a Associação Sorocaba Futebol de Amputados (ASFA). “Em contato com a Secretaria de Esportes de Sorocaba, vimos que precisávamos ser uma entidade do terceiro setor. Ai nos organizamos e fundamos a associação em julho de 2019”, conta ele.

Organizados, os integrantes da associação foram atrás e conquistaram diversas parcerias, entre elas, com o Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal). “Começamos a ter apoio. A Magnus fez o nosso primeiro uniforme e o projeto foi crescendo”, explica Dinho, que hoje é presidente da ASFA.

História e regras da modalidade

No país do futebol, claro, todo mundo dá um jeitinho de arriscar nos gramados. Não seria diferente para quem não tem um dos membros. A modalidade futebol de amputados começou a rolar no Brasil em 1986.

De acordo com o artigo “Futebol para amputados: aspectos técnicos, táticos e diretrizes para o treinamento”, publicado na Revista Brasileira de Futsal e Futebol, a primeira equipe de amputados surgiu em Niterói, no Rio de Janeiro, com a Associação Niteroiense dos Deficientes Físicos (ANDEF). O primeiro treinador foi João Batista Carvalho e Silva.

Nesse mesmo ano, ocorreu a primeira competição brasileira da modalidade. Foi uma partida disputada entre a ANDEF e o Clube dos Paraplégicos (Associação Brasileira de Desporto para Amputados), em Linhares, Espírito Santo.

E o Brasil, como não poderia deixar de ser, é uma grande potência mundial na modalidade. O país é tetracampeão do Campeonato Mundial de Futebol para Amputados, competição que disputa desde 1989 e da qual saiu vitorioso nos anos de 1999, 2000, 2001 e 2005.

As regras para as partidas, evidentemente, são adaptadas. Os jogos são disputados em campos de society e cada equipe tem sete jogadores. Os atletas de linha, que disputam a competição de muletas, devem ser amputados ou com deficiência em uma das pernas.

No caso do goleiro, a amputação ou a deficiência tem que ser em um dos braços e ele não pode sair da área. Os jogadores não podem tocar a bola, de forma intencional, com a perna ou o braço amputado e nem com a muleta. As partidas duram 50 minutos, divididas em dois tempos de 25 minutos.

Superação e muletas 

Regras e adaptações que Pedro Henrique Soares Barbosa, de 16 anos, precisou aprender. O adolescente nasceu com uma malformação congênita na perna direita, que impediu o desenvolvimento do membro.

Aos três anos, ele começou a usar prótese. Pedro conta que, por nunca ter tido um dos membros inferiores, foi mais fácil conviver com a situação. “Sempre estive no meio das pessoas, brincando, jogando bola, fazendo tudo que todo mundo fazia. Então, não tive nenhuma dificuldade”.

Apaixonado por esporte, ele tentou outras modalidades e mesmo o futebol convencional. “Eu nunca me identifiquei em nenhum outro esporte. E quando conheci o futebol de amputados, que só tinha em Campinas na época, vi as regras, que tinha que jogar de muleta, eu não me encontrei na modalidade por estar acostumado a jogar de prótese”.

Em 2018, no entanto, Pedro decidiu dar uma nova chance para o futebol de amputados. “Eu fui ver um jogo da Série B do Campeonato Brasileiro e o pessoal do time me acolheu super bem. E eu vi que a modalidade era muito vibrante e me apaixonei. Na outra semana eu já fui fazer meu primeiro treino”.

Já para Vivi, que se arriscava nas partidas de futebol antes do acidente, jogar de muleta não teve grandes dificuldades. “Eu de prótese sou uma negação”, explica a jovem, “só uso mesmo para trabalhar. Agora de muleta, eu sou 100% além”.

Ela foi convidada por um dos jogadores do Sorocaba Futebol de Amputados para conhecer o time. “No começo foi difícil porque eu tinha receio de cair, para adquirir habilidade para jogar de muleta. Fui para o primeiro treino, achei incrível e, partir daquele momento, comecei a me empenhar”.

Os personagens dessa história ressaltam que participar do time vai além da prática esportiva. “O futebol é essencial na minha vida”, relata Vivi, “em campo, eu me realizo. A amputação não é uma coisa fácil, mas quando a pessoa vê que ela não está sozinha, dá um gás para começar a vida de novo”. Pedro completa: “além de proporcionar saúde física e mental, esse esporte nos traz uma diversidade de emoções”.

Dinho destaca o trabalho de resgate que o esporte garante, dando uma opção para pessoas com depressão, baixa autoestima ou mesmo outros problemas ligados à deficiência. “A gente quer trazer qualidade de vida, condições físicas. E você ganha na autoestima. Um amputado sozinho tem vergonha, mas quando conseguimos organizar esse pessoal para estar junto, te dá mais confiança para viver”. 

Sonhos e o futuro pós pandemia

Atualmente o time sorocabano é o campeão da Série B do Campeonato Brasileiro de Futebol de Amputados, o que garantiu acesso a Série A da competição. De acordo com Dinho, o crescimento da modalidade em Sorocaba fez que, além do Sorocaba Futebol de Amputados, fosse criado um segundo time, o Evolução Futebol de Amputados. “Hoje contamos com 42 integrantes, além de outras 16 pessoas que aguardam avaliação para participar do projeto”.

Apesar das atividades esportivas estarem suspensas por conta da pandemia da Covid-19, Dinho explica que a entidade não parou. “A gente continuou fazendo assistência com parceiros como o Banco de Alimentos de Sorocaba, doando cestas básicas, além de outras ações”, explica Dinho.

E para depois da pandemia, todos têm muitos planos. “O futebol é minha paixão e me encontrei nessa modalidade”, diz Pedro, “já tive uma fase de treinamento com seleção brasileira e hoje eu só quero crescer mais, disputar uma copa do mundo e, quem sabe, jogar fora do país”.

Única mulher no time, o que Vivi quer para o futuro é outras companheiras em campo. “Preciso muito de meninas para montar um time feminino. Eu sozinha não estou conseguindo, não”, brinca ela.

Dinho finaliza lembrando que os projetos da Associação Sorocaba Futebol de Amputados estão de portas abertas. “Quem sofreu uma amputação ou tem uma malformação congênita, nos procure. Estamos de coração aberto para levar um pouco de esperança e qualidade de vida para essas pessoas”.

O contato com a Associação Sorocaba Futebol de Amputados pode ser feito pelo Facebook ou pelo telefone (15) 98155-0221, com Reginaldo.

*matéria publicada no site do sindicato