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Renault planeja reforçar engenharia local

Publicado: 24 Novembro, 2009 - 00h00

Escrito por: CNM CUT

As primeiras lições foram aprendidas dentro de casa, quando ainda era menina. O pai, um engenheiro civil, gostava de falar sobre seu trabalho para a família. Uma experiência que chamou a atenção foi sua participação na reurbanização de cidades destruídas na Segunda Guerra. Durante a visita a um desses vilarejos, num domingo, Odile Desforges entendeu o verdadeiro significado da engenharia e decidiu seguir a profissão do pai. Hoje Odile é a chefe da engenharia mundial da Renault. Além de uma equipe de 17 mil profissionais, está sob seu comando o desafio de lançar o carro elétrico e elevar a participação dos países emergentes no desenvolvimento dos veículos.

Se tivesse seguido os conselhos do pai, Odile seria professora. Na época era considerado "o melhor para uma mulher". Talvez por isso havia apenas duas mulheres na turma que se formou em engenharia na Escola Central de Paris em 1973.

Mas mesmo nos dias de hoje, Odile, agora com 59 anos, ainda representa uma raridade. Há, sim, algumas mulheres em cargos de destaque na indústria automobilística. Mas no comando mundial da engenharia de um setor predominantemente masculino ela é única.

Não existem barreiras desse tipo na empresa onde trabalha, segundo Odile. Além disso, lembra ela, a companhia segue um pouco da filosofia de trabalho do presidente mundial do grupo Renault/Nissan, Carlos Ghosn, "aberto à diversidade".

Depois de passar por outros postos de destaque, como a vice-presidência mundial de compras da Renault e também da parceira Nissan, Odile, há 29 anos na montadora francesa, foi escolhida há nove meses para comandar o setor de engenharia.

Trata-se de um momento de grandes mudanças estratégicas nessa área. Como os demais fabricantes de veículos, a Renault também se prepara para lançar carros movidos a eletricidade. E assim como a maior parte das empresas do setor, essa montadora também percebeu que o crescimento das vendas de carros nos países emergentes exige reforços nas equipes de engenharia locais.

Há poucos dias, Odile visitou a fábrica da Renault em São José dos Pinhais (PR). "Com a globalização, é preciso estar próxima das pessoas para ter certeza de que elas entendem aonde queremos chegar", afirma a executiva.

Na Renault do Brasil, a equipe de engenharia estará apta a desenvolver carros voltados para o mercado brasileiro daqui a dois anos, segundo Odile. Não serão modelos totalmente novos, afirma. Mas terão uma grande dose de interferência do conhecimento local para dar o acabamento interno e externo que o consumidor daqui deseja.

A Renault conta hoje com 12 mil engenheiros na sua sede e outros 5 mil fora da França. O principal centro de desenvolvimento externo é o da Romênia, onde foi projetado o modelo Logan. Brasil e Coreia vêm em seguida. Uma das missões de Odile é elevar a participação dos países emergentes no desenvolvimento dos veículos, "passo a passo", como ela mesma diz.

A executiva explica que no Brasil o equipamento de powertrain (motor e câmbio) já está totalmente desenvolvido, principalmente porque se insere no conceito do carro bicombustível. O desenvolvimento de futuros veículos virá gradativamente.

"Estamos desenvolvendo recursos de engenharia para ficar mais próximos dos mercados onde queremos estar", afirma Odile, que já entendeu que o brasileiro dá muito mais atenção a carros bonitos do que consumidores de outras regiões.

Por outro lado, o lançamento de veículos elétricos exige, em qualquer mercado do mundo, três coisas básicas, segundo a executiva: incentivos do governo para o consumidor, infraestrutura e um balanço entre o custo da eletricidade e outras matrizes de energia.

A Renault já tem a tecnologia do carro elétrico pronta. A ideia é lançar o produto na Europa daqui a dois anos. No caso brasileiro, ela calcula que, pelo que foi informada, o governo deveria dar ao consumidor um bônus superior aos ? 5 mil a ? 7 mil previstos para o lançamento do produto no mercado europeu. Mas, principalmente, afirma, é preciso levar em conta que o país desfruta da tecnologia do motor flex, que permite o uso de etanol a custos menores do que poderia ser a energia elétrica, segundo ela. Odile estima que, somente com a produção em alta escala é que o carro elétrico poderá ser acessível a diversos mercados.

De qualquer forma, o automóvel elétrico representa uma nova era. "Estamos entrando em um novo mundo", afirma. A engenheira francesa lembra que por não ter determinados componentes, como o sistema de exaustão e permitir uma dirigibilidade mais silenciosa, o automóvel elétrico abrirá oportunidades para novos desenhos, novos tipos de estrutura e uma melhor investigação no uso de novos materiais. A executiva diz estar atenta às fibras de plantas tropicais que hoje já começam a ser utilizadas pela indústria automotiva.

Outro grande desafio para a engenharia automotiva mundial, segundo Odile, é garantir a conectividade do condutor, seja por meio de aparelhos celulares, sistemas de navegação ou comunicação por internet. Ela lembra que o desenvolvimento da tecnologia anda a passos muito rápidos. "Nós precisamos garantir que ao entrar em um automóvel a pessoa estará no mesmo mundo que ela vive fora dele", destaca.

O desafio, no caso, é conseguir desenvolver projetos de veículos conectados e acessíveis, principalmente levando em conta o aumento da demanda em países em desenvolvimento. A Renault fará uma parceria na Índia para produzir os automóveis que até agora a indústria europeia não sabia fazer. "É preciso, nesse caso, contar com o conhecimento local e também com a história local", afirma.

Fonte: Valor